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MIS Ribeirão Preto promove exposição sobre a Boca

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Os fãs do cinema brasileiro do interior de São Paulo possuem mais uma opção de lazer. O Museu da Imagem e do Som de Ribeirão Preto iniciou a exposição “A Boca do Cinema de São Paulo” no shopping Santa Úrsula (rua São José, 933, Higienópolis, Ribeirão Preto). A exposição conta com cartazes, câmeras, fotos, roteiros e projetores de nomes marcantes da cinematografia paulista. Estão no local objetos de personalidades como José Mojica Marins (Zé do Caixão), Mazzaropi e David Cardoso. A exposição é gratuita e fica no local até o dia 5 de janeiro de 2016. A curadoria é do cineasta José Adalto Cardoso.


Um manifesto de amor ao cinema

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O longa-metragem Memórias da Boca não será um sucesso retumbante de público. Nem irá ser exibido no grande circuito de shopping centers. Nem deve ser a opção mais certa dos festivais de cinema. Mas o filme tem tudo para entrar para a história, inclusive porque é história: entre atores, diretores e técnicos, a produção reúne veteranos que ajudaram a construir o cinema brasileiro.

Memórias é composto por oito episódios que misturam ficção e documentário evocando a rua do Triunfo, polo da produção cinematográfica entre os anos 1960 e 1980. "Nossa ideia foi fazer algo que mantivesse o pessoal da antiga ativo e levasse uma mensagem", resume o cineasta Diomedio Piskator, presidente do Instituto Ozualdo Candeias, entidade que reúne remanescentes da Boca do Lixo paulista. A organização bancou a produção sem qualquer ajuda governamental. "Não entramos em concurso nenhum. É um filme completamente independente."

Piskator e seus companheiros tiveram uma empreitada complicada. Memórias começou a ser filmado em 2012 e só ficou pronto três anos depois. Muitos nomes de destaque da Boca acabaram morrendo durante a realização do longa-metragem. Isso aconteceu com realizadores como Carlos Reichenbach, Francisco Cavalcanti, Luiz Castillini e Pio Zamuner. Todos são homenageados no início do filme. "Alguns deles iriam participar do Memórias", conta.

O longa-metragem estreia na próxima semana (na quinta, dia 10), no Caixa Belas Artes, em São Paulo. A ideia é levar o filme para espaços alternativos, cineclubes e institutos culturais Brasil afora. "Queremos divulgar o filme para o maior número de pessoas. Sem nenhum tipo de preconceito", revela Diomedio.

São seis episódios do gênero documentário. Os destaques ficam para Bangue-bangue, de Valdir Baptista, filme que evoca os faroestes rodados na Rua do Triunfo, eAutofilmagem, direção mais recente do cineasta José Mojica Marins, o Zé do Caixão. Entre os episódios de ficção, os destaques ficam para Amigas para Sempre, divertida comédia do veterano Alfredo Sternheim, e Mil Cinemas, do próprio Diomedio. "É um curta metalinguístico com linguagem fragmentada. Esse foi o motivo de tudo ter sido filmado em preto e branco."


O Instituto Ozualdo Candeias possui diversos projetos para o futuro, como Quadrilátero do Pecado (episódios de ficção que se passam no bairro da Luz) e São Paulo Zero 15(longa de episódios com diretores de diversas gerações sobre a capital paulista). Tudo feito de maneira independente. "Estamos dando a chance de os antigos trabalharem e também dando a chance para surgirem novos", explica Diomedio. "Acredito que o Memórias seja uma espécie de manifesto de amor ao cinema."

Fotos de still do filme Memórias da Boca

Memórias da Boca em cartaz

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O longa-metragem Memórias da Boca segue em cartaz no Cine Belas Artes (rua da Consolação, 2423) em um horário diário. É a oportunidade de conferir esse filme de perto.

Lançamento da cachaça Zé do Caixão

Memórias da Boca segue em cartaz

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Memórias da Boca está na terceira semana em cartaz no Belas Artes. Um feito impressionante para um longa-metragem realizado sem verbas oficiais. Isso é símbolo da garra e do trabalho de diversas pessoas. Amigo leitor, pare de perder tempo: assista logo Memórias. Recomendamos

Memórias da Boca: quarta semana em cartaz

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O longa-metragem Memórias da Boca vai para a quarta semana em cartaz no Belas Artes. Valorize o cinema de guerrilha e a cultura do nosso país. Assista o filme.

Entrevista com Afonso Brazza publicada em 2002

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Afonso Brazza
José Afonso Filho
(São João do Piauí, PI, 17/04/1955-  29/07/2003, Gama, DF)
Gringo não perdoa, mata, 1994
No eixo da morte, 1995

Por Caio Plessman de Castro

Nasci em São João do Piauí e vim para Brasília garotinho. Meu pai ajudou a construir esta cidade. Foi candango. Somos o sangue de Brasília. Tenho um respeito muito grande por essa capital. Eu a vi crescer.

O início da minha carreira foi sofrido. Arrumei minha malinha em 1970 e fui-me embora para São Paulo, onde conheci muitos artistas, Zé do Caixão (José Mojica Marins), David Cardoso, Tarcísio Meira, Tony Vieira, Alex Prado e Ozualdo Candeias. Nesse período, entre 1970 e 1980, aprendi muita coisa sobre cinema, trabalhei como ator, figurante e técnico, fazia cenário, montagem. Tudo que aprendi em São Paulo trouxe para Brasília, e é isso que estou fazendo até hoje.

O que me fez sair de Brasília e ir a São Paulo foi um filme que vi em 1969, chamado Gringo, o último matador, com Tony Vieira, Claudete Joubert e outros, um faroeste muito bom. Assisti a esse filme mais de 20 vezes. Esse faroeste me impressionou tanto, que me fez arrumar as malas e ir embora para São Paulo. Fiquei também atraído pela atriz do filme, Claudete Joubert, atualmente minha esposa. Em São Paulo, a minha escola de arte dramática foi José Mojica Marins. Devo um grande favor a ele, foi a primeira pessoa que me recebeu e me deu oportunidade de conhecer outros artistas.

Meu começo foi muito bom, o cinema me trouxe muita alegria. Essa dor de cabeça que hoje a gente tem com cinema, antigamente não existia. Eu fazia de tudo, e naquela época cinema gerava emprego. Foi muito importante. Comecei minha carreira cinematográfica aqui em Brasília em 1980, ano que prestei concurso para o Corpo de Bombeiros.

Já realizei oito longas-metragens. Nasci com vontade de fazer cinema, tenho essa vocação. Pena que a gente more num país pobre, onde ninguém apoia a cultura. Hoje eu vejo o cinema brasileiro totalmente derrotado. As pessoas não têm a garra de antigamente.

Meus personagens são maldosos. Mas o herói é aquele que faz tudo para combater o mal. Meu cinema é totalmente diferente do cinema brasileiro mais famoso, mas, com certeza, Brasília está começando a me aceitar como diretor de cinema, cineasta e como bombeiro. O meu prestígio vem também da minha corporação. A comunidade admira o Corpo de Bombeiros. Estou aqui pronto para salvar as pessoas. Acho que isto tem me ajudado muito.

Foi depois que entrei no Corpo de Bombeiros que comecei a fazer cinema, a comprar equipamentos, uma série de coisas. Entre 1982 e 1990, fiz três filmes, Procurador Jeferson: matador de escravos, Os Navarros e Sancho Nunca Morre. Em 1993, fiz uma superprodução chamada Inferno no Gama. Daí produzi um por ano: Gringo não perdoa, mata(1994) e No eixo da morte (1995). O filme que estou fazendo atualmente é uma superprodução, vai custar mais ou menos R$ 850 mil, enquanto minha produção normal varia entre R$ 50 mil e R$ 144 mil. Tem um elenco brilhante, um guarda-roupa caríssimo. Carros, cenários bonitos. Se eu tivesse dinheiro, dentro de 30 ou 40 dias meu filme estaria pronto, mas não tenho esse capital.

O meu público é estudantil, justamente porque são filmes trash, de que os estudantes gostam. Este último também vai ser aceito. Tem um elenco grande, com participação de estudantes, e isto influí na universidade, eles me ajudam a divulgar o meu trabalho. Montei um grupo para trabalhar, para que no dia de estreia lotássemos o cinema com um retorno imediato. O meu lucro não é com o lançamento do filme, mas com a venda das fitas de vídeo. Vendo fita para o Brasil inteiro. Isso me dá retorno, porque o cinema em si não dá dinheiro para cineasta nenhum. Não é a bilheteria que traz lucro.

Quanto a Inferno no Gama, fiz o lançamento dele lá no Gama, na universidade, e foi muito bem aceito. Em seguida, estreei no Cine Brasília também como boa aceitação e foi daí para frente que Afonso Brazza passou a ser conhecido. Não tenho contatos para a distribuição.

GRINGO NÃO PERDOA, MATA E NO EIXO DA MORTE

As portas começaram a se abrir mesmo no último filme, No eixo da morte, feito em 1995, mas lançado entre 1997 e 1998; consegui ser lançado num cinema bom. Com apoio da rede Karin, o filme fez 8 mil e poucos espectadores. E passou duas vezes. Ficou 23 dias em cartaz, depois retornou para o Festival Afonso Brazza. Foi uma beleza.

Foi nesse momento que as portas se abriram totalmente, porque as vendas das fitas dispararam, puxando também meus outros filmes. Como só faço uma cópia de cada filme, só posso lança-lo em um cinema; se eu lançasse três, quatro cinemas teria um retorno imediato. Eu fico dez dias em um cinema, e quando passo para outro, a mídia já acabou. Agora não, neste último, tenho casas para isso. Aqui em Brasília, tenho três cinemas para o lançamento. Todos do grupo Karim. E em vídeo, vendi cerca de 2,5 mil cópias de No eixo da morte. Inferno no Gama, 4,8 mil, e o Gringo não perdoa, mata, 3,5 mil cópias. Isso é um recorde para mim, porque eu faço de tudo, de produção e direção á venda.

A LEI DO AUDIOVISUAL

Olha, essa lei...Eu queria descobrir – falo de peito aberto -, queria descobrir qual foi o cineasta, qual foi o crítico de cinema, sei lá, qual foi...de qualquer coisa que aprovou esta lei. Isso não existe em lugar nenhum do mundo. O empresário não tem interesse num negócio desses. Nenhum deles. Eles não são obrigados. Pois, para o empresário é o seguinte: digamos que você pague R$ 100 mil de imposto, desses R$ 100 mil, você vai passar para mim R$ 2,5 mil. Dá 4%. Dá para eu perder o meu tempo com você por esse valor? Se o cara pagasse R$ 100 mil e desse R$ 50 mil na tua mão, ainda era vantagem. Aí dá para dizer que está patrocinando cultura. Mas com 4% só? Desse jeito é para uma minoria!

FILMES DIRIGIDOS POR AFONSO BRAZZA

1982- Procurador Jeferson, o matador de escravos, 16 mm, longa-metragem
1985- Os Navarros, em trevas de pistoleiros entre sexo e violência, 16 mm, longa-metragem
1990- Sancho nunca morre, 16 mm, longa-metragem
1993- Inferno no Gama, 35 mm, longa-metragem
1994- Gringo não perdoa, mata, 35 mm, longa-metragem
1995- No eixo da morte, 35 mm, longa-metragem
2001- Tortura selvagem, a “grade”, 35 mm, longa-metragem
2002- Fuga sem destino, 35 mm, longa-metragem


Publicado originalmente em NAGIB, Lúcia. O cinema da retomada: depoimentos de 90 cineastas dos anos 90. Lúcia Nagib; prefácio de Ismail Xavier- São Paulo: editora 34, 2002.

Entrevista com Carlos Reichenbach publicada em 2002

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Carlos Oscar Reichenbach Filho
(Porto Alegre, RS, 14/06/1945- 14/06/2012, São Paulo, SP)



Por Caio Plessman de Castro

Eu sou neto do primeiro litógrafo do Brasil. Meu avô veio da Alemanha, no início do século XX, convidado pelo governo brasileiro para instalar a primeira litografia do país. Meu pai foi editor das revistas Casa & Jardim, Seleções (da Readers Digest), Ela e Visão. Foi ele quem lançou a revista Lady, a mais avançada do Brasil na década de 1950, o que lhe custou a saúde, talvez a vida, pois teve dois enfartes por causa disso. Por que eu começo por aí? Porque de uma certa maneira eu nasci para seguir a carreira da família, eu sou neto, sobrinho e filho de editores e industriais gráficos.

Talvez pelo fato de ser um editor conhecido na época, meu pai convivia com escritores, teatrólogos, músicos. Aos 9 anos de idade, eu assisti a uma leitura dramática de um roteiro de cinema, a partir do romance Jovita, de Diná Silveira de Queirós, que tinha sido publicado em duas partes na revista Lady. A leitura foi feita por Oswaldo Sampaio, que dirigiu A Estrada e O preço da vitória, e co-dirigiu Sinhá Moça, entre outros. A distância, vejo que essa leitura fascinante me levou num determinado momento a optar por cursar Cinema na universidade.

Fui levado a prestar vestibular na ainda nascente Escola Superior de Cinema São Luís, em São Paulo, por iniciativa de um amigo, João Callegaro, que já cursava o primeiro ano. Apesar de naquele momento eu já fazer umas brincadeiras com 16 mm com uma câmera do meu pai, o que me levou para a São Luís foi a possibilidade de escrever para cinema. Fui praticamente guindado à prática cinematográfica por Luiz Sérgio Person, que era professor lá. Person botou na minha cabeça que eu era diretor. Acho que ele ficou impressionado com um exercício de roteiro, uma brincadeira godardiana e maoísta, que eu chamei de Atribulações de um chinês fora da China. Era sobre um cara que se desencanta com o regime, consegue fugir da China, vem para São Paulo e abre uma pastelaria na Praça da República. Essa ideia acabou sendo reaproveitada em filmes posteriores, como em Alma corsária ou no episódio da chinesa em O império do desejo. Por outro lado, como eu tinha um equipamento 16 mm, os colegas viviam me pedindo para fotografar os filmes amadores deles.

Comecei um primeiro curta, em 16 mm, chamado Duas cigarras, que nunca chegou a ser totalmente montado. Chamei para desenvolver a ideia comigo um amigo paisagista, que tinha sido aluno do Burle Marx. Começamos a desenvolver o roteiro como se fosse um mapa. Chegávamos aos locais de filmagem e, em vez do roteiro, abríamos o tal mapa imenso e logo vinha alguém da região pensando que nós éramos da Prefeitura. Foi um processo interessante, porque meu interesse inicial era o roteiro, mas fui me desvencilhando disso a ponto de, no meu primeiro filme (o episódio “Alice”, de um longa-metragem chamado As Libertinas, 1968), jogar o roteiro fora no terceiro dia, porque nada daquilo que estava escrito eu tinha condições de filmar. Comecei a entender a grande lição de Roberto Santos, na São Luís: o grande mérito do cineasta brasileiro é conseguir transformar a falta de condições em elemento de criação.

Saltando no tempo, em 1978, criei um método de trabalho inverso: fazia um roteiro maçudo que ficava permanentemente aberto para improvisação ou para ser manipulado em função da produção. Foi uma coisa que a prática me ensinou. Se o que está no papel atrapalha o andamento da filmagem, jogo o papel fora.

Meu segundo filme foi o episódio “A Baladíssima dos Trópicos contra os picaretas do sexo”, do longa Audácia, a fúria dos desejos (1969). É a história de uma garota que começa a fazer um filme, acaba se metendo com produtores espúrios da Boca do Lixo e não consegue termina-lo. A certa altura, ela diz: “Joguei meu roteiro fora, e agora meu roteiro é um gibi do Cavaleiro Negro”. Quer dizer, o próprio personagem definiu o estilo do filme, que nem roteiro tinha, era improvisado a partir do cotidiano.

Fiz dois curtas em 16 mm que nunca chegaram a ser editados: Duas cigarras e Pierrô si fu, uma brincadeira godardiana. Depois, filmei o curta Essa rua tão Augusta, antes do episódio de As libertinas, mas só foi montado após esse filme. Para ser sincero, não gosto de Augusta, “Alice” ou Audácia, são muito ruins. Eu gosto dos filmes dos meus amigos, que são ótimos.
                                              
Nesse período, eu participava ativamente de um grupo que depois foi identificado como Cinema Marginal, pós-Cinema Novo. “Alice” era quase um manifesto de mau comportamento. Quando estava filmando As libertinas, pedi para fazer uma panorâmica aos trancos e barrancos, uma coisa malfeita mesmo, em homenagem ao Primo Carbonari. Esse era um conceito que eu e o João Callegaro tínhamos muito claro na nossa cabeça, a gente fala isso até textualmente no tal “Manifesto Cafajeste”: temos que sair do péssimo para chegar ao ótimo. Em Audácia, a primeira fala da cineasta é: “Temos que fazer filmes péssimos!”. Essa ideia era revolucionária naquele momento do cinema brasileiro.

Se existe um movimento de cinema marginal, ele nasce na São Luís. Jairo Ferreira, Rogério Sganzerla, Andrea Tonacci, Ozualdo Candeias, José Mojica Marins, todos eles circulavam por lá. O movimento nasceu na São Luís e depois foi militar na Boca. Nós, da São Luís, abraçamos os dois cineastas mais importantes da Boca do Lixo, que eram Candeias e Mojica. Admiração e respeito absoluto por dois artistas instintivos. Mojica e Candeias estão para o país assim como nossos maiores pintores primitivistas: grandes criadores formados pela vida.

Na verdade, ninguém gostava da expressão “marginal”; eu comecei a usar o termo “pós-novo”. O Cinema Novo lidava com certezas, apontava saídas, pós-novo lidava com a dúvida, não via saída nenhuma, o desfecho era sempre uma estrada vazia. Tivemos o privilégio de viver muita coisa em muito pouco tempo: o ativismo político, o desbunde, a droga, a fase mística; tudo isso num espaço de cinco, seis anos.

CARREIRA

Costumo separar as fases da minha carreira. Corrida em busca do amor (1971) marca o fim do que chamo primeira fase e o início da segunda, que vai até Extremos do Prazer, de 1983. Corrida resultou de um convite que recebi para fazer um filme do gênero juvenil. O roteiro, de um terceiro, só tinha um terço escrito. Mas me deram total liberdade para eu inventar o que eu quisesse. Fui chamado para dirigir esse filme porque o produtor queria contratar Ronnie Von, um cantor famoso na época. E o Ronnie Von tinha fama de ser o intelectual, o erudito da Jovem Guarda; então não dava para chamar qualquer um da Boca do Lixo para dirigir. Mas, na hora de soltar a grana, não tinha dinheiro para pagar o Ronnie Von. Ele saiu do filme, e eu fiquei. Aí aconteceu uma coisa muito engraçada: a produtora da filmagem foi ficando dia a dia mais pobre, a tal ponto que, quando íamos filmar os tais carros de corrida que pedia o título do filme, não haver dinheiro para alugar carro nenhum. Aí, comecei a inventar.

Com Corrida em busca do amor eu defino o cinema como meu meio de expressão, definitiva e conscientemente. Apesar de amar o cinema desde garoto, eu ainda tinha minhas dúvidas se era o que eu queria fazer. Vários colegas meus abandonaram, foram fazer outra coisa, e eu também andava reticente. Lembro que um amigo nosso, o escritor e cineasta Márcio Souza, foi preso em 1970. Mostraram várias folhas, só para deixar claro, para ele, que estava todo mundo fichado. A Boca inteira estava lá. Eu também, fichado como anarquista. Isso desencadeou uma paranoia no meio. Algumas pessoas começaram a desaparecer do mapa e cheguei ao ponto de me perguntar por que continuar fazendo filmes.

Naquele momento eu cheguei a filmar um terço de um longa-metragem que era sobre esse estado de espírito: só gente indo embora do país, filmei travellings imensos da avenida 23 de Maio, que leva ao aeroporto. Mas o filme foi interrompido por falta de condições financeiras e pressões familiares. Por isso, preferi fotografar os filmes de outros diretores.

Comecei a aprender a fotografar muito cedo, em primeiro lugar porque eu tinha um equipamento de 16 mm e fui obrigado a aprender a lidar com aquilo para poder fotografar meus próprios filmes e os filmes dos meus amigos. Em segundo lugar, porque vivi uma situação meio traumática com o fotógrafo do meu primeiro filme e, a partir daí, passei a fazer eu mesmo a fotografia. A partir de Audácia, a direção de fotografia foi meu sustento por quase 20 anos. Fotografei 38 longas-metragens, além de incontáveis curtas, comerciais, documentários, filmes institucionais, etc. O fato de ter achado um caminho profissional como fotógrafo foi o que me possibilitou ficar no Brasil.

De 1971 a 1983 meus filmes foram feitos estimulados pela bilheteria. As duas únicas grandes exceções nesse período são Liliam M: relatório confidencial (1974) e Amor, palavra prostituta (1979), que são filmes femininos, difíceis e pessimistas. Em Lilian M, o projeto estético detona a dramaturgia, é um filme em busca de um estilo, o grande mérito dele está no experimentalismo dialogando com o cinema popular.

A partir de Filme Demência (1985), começa um ciclo completamente novo, a terceira fase da minha vida e do meu cinema. São filmes inspirados basicamente na minha experiência de vida e nas pessoas próximas a mim. Essa fase deve terminar com um novo projeto de filme chamado A dor do amigo católico. Como observou o crítico João Carlos Rodrigues, eu sempre intercalo um filme “masculino” com um “feminino”, e não vai dar para fugir disso agora. Não se trata de um filme religioso, o que me interessa é a liturgia. Estou interessado no mistério.

Acho que o ponto culminante do meu cinema erotizado é Extremos do Prazer (1983). É quando o tema do desejo se confunde com a questão política, com o marxismo; na verdade, o grande tema do filme é embate entre Marx e Freud, ou, mais especificamente entre Marx e Reich. A partir daí o desejo, como assunto, continua me interessando, mas o novo eixo da minha dramaturgia é a minha experiência cotidiana. Não apenas filmes autobiográficos, mas sempre visando a reflexão sobre o que me rodeia.

Agora, vou partir realmente para o imaginário, vou filmar o ABC paulista sob a óptica feminina. Não vivo no ABC paulista, mas fiz todo um longo trabalho de pesquisa tentando entender como funciona a cabeça da mulher operária. Escolhi a indústria têxtil pelo fato de terem sido as operárias têxteis as primeiras a fazerem greve no país. Pretendo retomar algo próximo ao estilo do meu Anjos do arrabalde (1986) ou do hiper-realismo humanista dos filmes de Roberto Rossellini.

INFLUÊNCIAS

O melodrama aparece com clareza nessa minha terceira fase. Aí entra um pouco a influência de Rossellini, de Valério Zurlini, da fase idealista da adolescência, do cinema japonês, que é uma influência inegável. Eu não tenho receio de explicitar essas influências, ao contrário, acho que não dá para escapar delas. Sempre digo que em todos os meus filmes, em especial em Alma corsária, existe uma grande influência do cinema brasileiro, sou apaixonado pelo cinema brasileiro, e nunca tive nenhum preconceito contra gênero nenhum.

Em Alma corsária há a chanchada social de José Carlos Burle, com o personagem da Flor inspirada na Dercy Gonçalves quando jovem; o personagem de Jorge Fernando tem o perfil e cacoetes de Zé Trindade. Há Humberto Mauro, há o Cinema Novo, o Cinema Marginal, o cinema brasileiro está quase todo ali: na forma de filmar o mar, na forma de filmar o campo.

Em Dois Córregos (1999) há duas sequencias que foram conscientemente filmadas em homenagem a dois filmes brasileiros. Um deles é Limite, de Mário Peixoto. Em toda a sequencia da memória do personagem de Beth Goulart, ela está dentro de um barco à deriva, como em Limite, só que como o filme é colorido, predomina o azul. O segundo é Ganga bruta, de Humberto Mauro. Na cena final, quando o personagem de Carlos Alberto Riccelli corre atrás da mulher no meio do mato, se tirar a música de Ivan Lins e colocar a música de Ganga bruta, fica igualzinho, com o mesmo sentido estético. Por mais influências que eu possa ter do cinema japonês, dinamarquês (Dreyer), de Fritz Lang, Orson Welles, Godard, em praticamente todos os meus filmes há essencialmente o cinema brasileiro.

ALMA CORSÁRIA

Alma Corsáriaé essencialmente masculino. Como em quase todos os outros, a música tem sempre grande importância. Nesse filme, no entanto, ela é essencial. Fui eu que compus e arranjei a trilha musical, a música veio antes do próprio filme.

Em Alma Corsária, o entendimento entre os personagens se estabelece através da poesia. É a poesia que une os dois amigos, que são os personagens principais. Às vezes, a poesia não precisa ser falada, mas estabelece um momento de entendimento entre os personagens, por exemplo, quando o pai da prostituta fuma um cigarro com Rivaldo (o protagonista). É a poesia do trivial, a beleza dos gestos essenciais que esse filme tenta detectar. Não há grandes eventos na vida dos personagens. Os eventos que marca a memória deles estão no cotidiano. Busco, portanto, a poético do prosaico. Isso também está presente em Anjos do Arrabalde e Dois Córregos. Ao contrário dos meus filmes anteriores, construídos a partir de relações distantes do meu cotidiano.

O primeiro roteiro de Alma corsária data de 1981 e se chamava Alma gêmea. Eu o escrevi com o dinheiro que ganhei num concurso de roteiros, promovido pelo Estado. Tratava basicamente de dois poetas que lançavam livros distintos, mas ao mesmo tempo, num mesmo loca. Um de família abastada, outro de família pobre. Não era tão autobiográfico, era algo mais centrado no período da contracultura. Ganhei o concurso, esqueci aquele roteiro e fui fazer Filme demência (1985).

Logo veio o Plano Collor e eu resolvi dar um tempo. Fui estudar música com Wilson Sukordki, um dos introdutores no Brasil da música digital, e me dediquei ao estudo da composição, ao uso do computador na música. Montei um estúdio em casa e passe a me dedicar com mais constância à música. Ao mesmo tempo, estava tentando desenvolver o projeto Vida de sonhos/sonhos de vida, primeiro esboço da minha saga operária do ABC, quando a televisão espanhola cortou as co-produções com países sul-americanos (era com ela que o projeto ia ser feito). Parecia que tudo conspirava contra mim. Quando eu e a minha sócia Sara Silveira estávamos abrindo a Dezenove Som e Imagens, para trabalharmos também com música para filmes institucionais e peças de teatro, surgiu o concurso da Prefeitura do Município de São Paulo para produção de longa-metragem.

Esse foi o gesto pioneiro da retomada de produção do cinema brasileiro – deveria ser repetido centenas de vezes – e ele veio da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, na época da Marilena Chauí. O concurso era muito bacana porque se propunha a bancar praticamente 80% da realização de um filme de custo médio ou baixo. Eu ia entrar com uma história que estava desenvolvendo, chamada A protestante, mas não havia terminado o roteiro. Então, faltando três dias para entregar, me liga o Eduardo Aguilar e me sugere entrar com o roteiro que eu fizera em 1981, o Alma gêmea. Fui reler o roteiro, mexi em várias coisas, coloquei muito da minha vida na história e liguei para minha sócia afirmando que com esse projeto dava para fazer um filme com o dinheiro do concurso. No entanto, ente sair o resultado, assinar o contrato e o dinheiro chegas às nossas mãos, deu-se uma defasagem de 60% no valor, porque a inflação estava galopante. Quando acabamos de filmar a última cena, acabou o dinheiro.

Um ano e meio depois começa a funcionar, efetivamente, a Secretaria para o Desenvolvimento do Audiovisual. A primeira atitude foi financiar, através de lei de incentivo, a finalização dos filmes interrompidos. Veio a proposta: se nós nos empenhássemos em terminar Alma corsária a tempo de exibi-lo no Festival de Brasília, seríamos os primeiros a receber o financiamento. Foi o que aconteceu. Conseguimos um pequeno financiamento do Banco de Brasília para fazer a edição final e a mixagem.

Alma corsária, filmado nos primeiros meses de 1991, teve sua primeira cópia em outubro de 1993 e custou exatamente US$ 387 mil. Hoje, custaria no mínimo US$ 900 mil. Não se pagou até hoje. Não foi feito com a ideia de ser um filme comercial, mas teve uma função importante, pois abriu várias portas. Por exemplo, trouxe o Espaço Unibanco de Cinema para a distribuição de filmes brasileiros. Respondeu à necessidade de uma camada universitária que estava começando a entrar no mercado exibidor francês. Foi lançado no mercado de vídeo americano como filme de arte, até hoje é vendido lá com o título de Buccaneer soul. Foi o primeiro filme que, no processo de retomada, ganhou um prêmio internacional, nos 30 anos de Pesaro. Nada mais sintomático que o único prêmio ganho pelo cinema brasileiro em Pesaro, antes de Alma corsária, tenha sido o prêmio de público para o filme São Paulo S.A., dirigido pelo meu primeiro avalista e produtor, Luiz Sérgio Person.

Enfim, Alma corsária teve uma importância nesse processo todo porque se aventurou por territórios abandonados há muitos anos. Foi votado como um dos maiores filmes da década, tanto no Rio de Janeiro, como em São Paulo. Na votação do jornal Folha de S. Paulo, foi escolhido como o segundo melhor filme da década. Quer dizer, a existência dele foi importante para que esse processo de retomada começasse a existir. Por isso digo que não dá para acreditar na retomada de mercado sem ter o Estado como parceiro. Nenhum filme brasileiro se paga unicamente no país.

A LEI DO AUDIOVISUAL

Acho que a Lei do Audiovisual vem servindo para alavancar a produção. Só que, exatamente por ser democrática e abrangente, ela suscita o aparecimento de picaretas, de cara que nunca fez filme na vida, mas que tem grana, tem crédito, e que disputa na cara dura o mesmo espaço do profissional que milita há muito tempo, ou do estreante que trabalhou e dedicou anos de sua vida para a produção de filmes. Ora, o cara que tem produtora, tem grana, tem um monte de equipamento, que é ativo imobilizado, entra no mesmo páreo que o cineasta que fez 20 filmes e ainda precisa passar pelo “vestibular” (alguns de cartas bem marcadas). O que aconteceu com Lima Barreto, com Glauber Rocha, com alguns dos nossos diretores mais importantes, que deram a sua vida e o sangue pelo cinema? Por que um deus como Nelson Pereira dos Santos não filma?

O que tornou viável, na verdade, essa ideia da Lei do Audiovisual foi a parceria com o Estado, essa é a visão definitiva. No caso de São Paulo, conseguimos fazer com que o governador entendesse a importância da lei e envolvesse a Sabesp e o Banespa. Acho que a Lei do Audiovisual só com o empresariado brasileiro funciona pela metade. A iniciativa privada brasileira é desconfiada e, na maior parte das vezes, morre de medo do leão. Há exceções, evidentemente, mas basicamente os grandes co-produtores de filmes brasileiros, hoje em dia, são as empresas estatais e a TV Cultura de São Paulo.

Quando a Lei do Audiovisual começou, vislumbrou-se uma luz no fim do túnel para o futuro do cinema brasileiro. Começou-se quase a poder determinar um nível de dramaturgia em que se pudesse contemplar tanto para o lado artesanal e artístico quanto o interesse do público; o público vai ver A ostra e o vento, Central do Brasil, Guerra de Canudos, Lamarca, Orfeu, Policapo Quaresma. Conseguiu-se, até, definir um perfil de cinema que, sem abrir mão de sua identidade, tentava se aproximar do mercado externo, e isso era interessante. Mas, de repente, começam a entrar na roda os picaretas do meio, que tentar usar a lei para cavar dinheiro fácil com o documentário oportunista em série – coisas como “50 filmes sobre os 500 anos do descobrimento do Brasil” ou “Pedras preciosas do Brasil” ou “Animais ameaçados do Brasil” e outras sandices. Eu entendo que a Lei do Audiovisual foi feita para estimular a dramaturgia nacional com a cumplicidade da iniciativa privada, para oxigenar a produção que estava agonizante e não para privilegiar o filme institucional mercenário, sem identidade, assinatura e vergonha na cara.

FILMES DIRIGIDOS POR CARLOS REICHENBACH

1968- As Libertinas (episódio “Alice”), 35 mm, longa-metragem
1968- Essa rua tão Augusta, 35 mm, curta-metragem
1969- Audácia, fúria dos desejos (prólogo, episódio “A Baladíssima dos trópicos contra os picaretas do sexo”), 35 mm, longa-metragem
1971- Corrida em busca do amor, 35 mm, longa-metragem
1974- Lilian M: relatório confidencial, 35 mm, longa-metragem
1977- Sede de Amar (Capuzes Negros), 35 mm, longa-metragem
1977- A ilha dos prazeres proibidos, 35 mm, longa-metragem
1979- Amor, palavra prostituta, 35 mm, longa-metragem
1980- Sangue corsário, 35 mm, curta-metragem
1980- Sonhos de vida, 35 mm, curta-metragem
1980- O M da minha mão, 35 mm, curta-metragem
1980- Paraíso proibido, 35 mm, longa-metragem
1982- As Safadas (episódio “A rainha do fliperama”), 35 mm, longa-metragem
1983- Extremos do Prazer, 35 mm, longa-metragem
1985- Filme demência, 35 mm, longa-metragem
1986- Anjos do arrabalde, 35 mm, longa-metragem
1988- City Life (episódio “Desordem em progresso”), 35 mm, longa-metragem
1994- Alma corsária, 35 mm, longa-metragem
1994- Olhar e sensação, 35 mm, curta-metragem
1999- Dois Córregos, 35 mm, longa-metragem
2002- Equilíbrio & graça, 35 mm, curta-metragem


Publicado originalmente em NAGIB, Lúcia. O cinema da retomada: depoimentos de 90 cineastas dos anos 90. Lúcia Nagib; prefácio de Ismail Xavier- São Paulo: editora 34, 2002.

Entrevista com Walter Hugo Khouri publicada em 2002

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Walter Hugo Khouri

(São Paulo, SP, 21/10/1929- 17/06/2003, São Paulo, SP)



Paixão perdida, 1998

Por Almir Rosa

Sempre pensei em fazer uma carreira ligada a cinema, com 12 aos eu já pensava em cinema. Gosto de escrever, sempre li muito. Houve um momento em que eu só pensava em eu só pensava em estudar Filosofia. Mas via muito filme. Quando criança, eu e meu avô materno íamos quase todos os dias ao cinema, e eu via muita coisa – claro que não com os olhos que tenho hoje.

Entrei para a Faculdade de Filosofia, mas fiz só o primeiro ano. Eu lia muito, até hoje sou um grande leitor, tenho uns mil livros aqui em casa. Em cinema, nunca me interessei apenas pela técnica, sempre tive vontade de dizer alguma coisa, não importante se interessava a todo mundo ou apenas a mim. Eu sempre me considerei um escritor/diretor.

Espinosa era meu filósofo favorito, todo filme meu tem uma citação dele. Essa linha mais literária, de criatividade, a parte escrita, sempre foi o principal, nunca fui fazer um filme sem que tivesse um arcabouço literário, filosófico.

Na verdade, os meus filmes ou são baseados em mim mesmo, ou com em uma visão do mundo. Se eu tivesse nascido na Bahia, por exemplo, meus filmes não seriam como são, porque teriam uma coisa local. Aqui é um pouco essa coisa estrangeira de São Paulo. São Paulo aparece muito nos meus filmes, porque nasci aqui, sou paulistano.

Minha mãe era brasileira, seus pais, italianos, eu cresci com meu avô italiano. Meu pai era greco-libanês, veio muito cedo para o Brasil.

Os libaneses são muito europeus, não têm nada de oriental. Graças ao meu avô italiano, falo italiano, sei tudo sobre a Itália, mais que muito italiano e tive muita influência da maneira de ser italiana. Sou um cara de São Paulo com características italianas.

O árabe eu falo e escrevo um pouquinho, mas foi o italiano que me marcou. Meu pai morreu muito cedo, convivi pouco com ele. Certa vez fui a Paris, um desses festivais de cinema, dei um pulinho até Beirute para conhecer minha família. O libanês já é um europeu, não é oriental.

A CARREIRA

Fiz meu primeiro filme muito cedo. Sou o famoso cara-de-pau que diz que sabe fazer, mesmo quando não sabe. Eu tinha vinte e poucos anos, foi em 1951, 1952, e se chamou O gigante de pedra. A história se passa numa pedreira, ainda tenho umas fotos, mas não sei o que acontecia, faz mais de 40 anos. O filme não é lá essas coisas. Eu estava na Faculdade de Filosofia, havia um grupo de São Bernardo que queria fazer um filme. Havia um italiano no meio que queria fazer um filme também, queria dirigir, mas tinha medo de já dirigir logo no primeiro filme. Chamava-se Lívio Rangan. E era a história de uma amiga do Lívio. Mas, nos dois primeiros anos, eu aprendi a coisa. Foi o início de minha carreira.

Eu não tinha passado por nenhuma escola de cinema, nem teórica, nem prática, nem tinha feito curta, aliás, nunca fiz curtas-metragens. Aprendi na prática a lidar com a objetiva, a sensibilidade do filme, a posição da câmera, tudo.

Meu segundo filme foi Estranho encontro. Foi o primeiro filme que fiz inteiro. Foi filmado em 1956 e lançado em 1958, pela Vera Cruz. Mas aí eu já sabia tudo e ficou bem feitinho, um filme para valer. Fronteiras do inferno (1958), lançado em 1959, foi o terceiro filme. Os produtores eram dois russos. Trouxeram filmes virgens dos Estados Unidos e depois levaram o filme pronto para uma versão em inglês. Deve haver cópias em algum lugar dos Estados Unidos, mas não imagino onde. Estranho encontro e Na garganta sofreram muita influência do produtor. Estranho encontro ganhou um prêmio em Curitiba na gestão do governador Ney Braga. E Na garganta do diabo valeu um prêmio em Mar del Plata.

A seguir, fiz A ilha (1962), um filme frustrado, porque era muito ambicioso, queria revelar a mesquinharia humana. Era a história de sete grã-finos que ficavam perdidos, o barco arrebentava e começava a acontecer algo entre eles. Era superinteressante, mas não era o que eu acho que seja bom. Logo em seguida veio Noite vazia (1964), é quando começa haver um estilo. Eu já tinha um domínio, sabia o que estava fazendo.

Fiz muitos filmes, e para mim sempre foi fácil porque eu nunca tinha de pensar “vou fazer um filme sobre a independência brasileira, sobre a guerra de Canudos”, eu sempre fazia um filme sobre as coisas que me interessavam e que eu podia trabalhar em cima delas. Tenho a impressão que fui fazendo o mesmo filme, que adquiriu as características de seu tempo.

Preste atenção no que vou dizer agora, porque pode ser mal interpretado: ter nascido num país como o Brasil em que é difícil fazer qualquer coisa, é difícil tudo, acho que foi uma vantagem. Se eu tivesse nascido na França, ou na própria Itália, ia ter de estar dentro dos padrões daqueles países, quisesse ou não, porque são sociedades tão fortes, tão marcadas, que você pode sair um pouquinho para cá, um pouquinho para lá, mas não pode ter isso que eu tive aqui. Eu fiz o que eu queria, sem que houvesse uma pressão sobre mim, dizendo o que deveria ser feito.

Construí uma obra de unidade, centrada em si mesma. O cinema tem essa coisa interessante: quando se fala de um livro, a gente pega e lê três, sete livros de um autor para ver o que é. Já com cinema é difícil, ver todos os filmes de um cineasta e lembrar de todos. Eu fiz sempre o mesmo filme, nunca mudei muito (não sei se estou exagerando, mas acho que nunca mudei muito), os personagens podem ser diferentes, mas as preocupações são as mesmas, as finalidades são as mesmas, os problemas são os mesmos, essa vontade de superação é a mesma. E não me lembro de jamais ter dito “agora vou fazer um filme sobre a fome”, por exemplo, que é um tema válido e importante.

Apesar de tudo, acho que eu sou o único cineasta no Brasil que tentou, bem ou mal, dar uma unidade a seus filmes; unidade de personagem, de tema, de lugar. Choca um pouco, porque isso é contra toda a coisa do Brasil. Isto é, o cara do Nordeste não quer saber se o Marcelo está com problemas existenciais, ele quer falar da miséria (eu posso colocar a miséria, mas, de repente, será uma miséria que vai ter uma reflexão sobre ela própria, o próprio personagem). Nunca quis fazer uma comédia. O Bergman, por exemplo, tem uma unidade de obra incrível, e fazia comédia. Eu já não saberia fazer. Ele é de um país em que as coordenadas são aquelas, e ele conseguiu. Eu até pensei em fazer uma comédia, depois vi que no Brasil seria mais difícil fazer uma comédia com os meus personagens. Quem são meus personagens? Sou eu mesmo e mais duas, três pessoas que me cercam.

INFLUÊNCIAS

Sofri alguma influência do Antonioni, de sua postura espiritual, essencial no fazer cinema. Mas isso, com o tempo, fica cada vez mais distante. Já de Bergman acho que tenho menos. Quando Bergman surgiu, eu fiquei entusiasmado, mas não há uma influência direta. Se há influência de Bergman, acho que não é proposital, é algo que paira no ar; e, como vi muito, admirei muito, acho que ficou alguma coisa. Mas é engraçado que, quando olho meus filmes, não consigo localizar a influência.

De cinema brasileiro, via de tudo. Da Vera Cruz eu não gostava de quase nada. Roberto Santos era meu contemporâneo, cheguei até a produzir um filme dele: Um Anjo Mau (1971). Fui assistente de Lima Barreto, mas não havia nada nele que pudesse ter me influenciado. Dos mais antigos, como Humberto Mauro, só acho curioso, e não vi tudo. Não me liguei a nenhuma tendência do cinema brasileiro, mas não foi de propósito, simplesmente fiz do jeito que me vinha na cabeça.

PAIXÃO PERDIDA

Essa coisa de fazer sempre o mesmo filme me leva a falar do personagem Marcelo. Ele vai aparecer aos poucos, porque no começo eu não tinha domínio do expressão para conformar o personagem como queria. Marcelo é o homem diante do mundo, com os problemas do mundo. É quase como um personagem de literatura. Eu pus Marcelo nos filmes porque vi que podia dar uma unidade aos meus problemas. Não é um personagem autobiográfico. É parte dos meus pensamentos e reflexões. Eu sou e não sou Marcelo. Sempre procurei fazer filmes intimistas que explicassem, de uma forma ou de outra, os problemas das mulheres e dos homens. Marcelo é o mesmo personagem em situações diferentes. Há momentos em que ele é jovem, em outros é mais velho e casado, mas é sempre o mesmo personagem.

Em Paixão perdida, a história é que Marcelo não pode parar, ele não para nem diante do filho. Não percebe que vai provocar um cataclisma na cabeça da criança. Marcelo não hesita em fazer o que para ele é impossível deixar de fazer, mesmo que o filho sofra daquele jeito. É um filme cruel, é um filme difícil. Houve um dia em eu que pensei: “Agora Marcelo precisa entender, ele já está meio velho e precisa renunciar” – mas ele não renuncia, vai esmigalhar o filho, mas faz o que acha que deve fazer.

A RETOMADA DO CINEMA BRASILEIRO

Quanto à Lei do Audiovisual, acho que é aquele famosa coisa bem-intencionada, que deveria funcionar como a gente quer. Mas se não funcionar não tem importância, pois de alguma forma a gente vai achar. O único problema é quando se tem de pedir dinheiro aos políticos. Mas acho que se não der certo, eles têm de corrigir.

Para mim, o que acontece com o cinema brasileiro hoje não é retomada. Se há dois ou três filmes, cada um fazendo uma coisa, não é exatamente uma retomada. Quando comecei, havia o primeiro cinema brasileiro, que era aquela confusão. Aí veio a Vera Cruz e a coisa italiana de “nós vamos fazer cinema”. Eu venho logo depois. Era um sofrimento, não tinha uma tradição, nos filmes paulistas anteriores à Vera Cruz não se encontra nada que seja bom. Aliás, ainda hoje é assim, isso porque o cinema brasileiro ainda não está sistematizado, não tem estrutura, é uma diversidade completa e cada cineasta é único. Não há uma escola, não há cineasta paulista, o cineasta carioca, o cineasta do interior. Tentou-se isso com a Vera Cruz, que construiu um cinema de estúdio, mas faltava estrutura. No Rio havia a chanchada e algumas outras coisas mais de acordo com a cidade. E até hoje o cinema brasileiro continua meio assim.

E vai continuar assim. Na época atual, o que há em termos de cinema? Você consegue dizer em que direção os cineastas estão indo? Cada um faz um filme e é muito difícil para todo mundo, e acho que vai ser assim ainda por muito tempo. Falta unidade. Eu estava pensando nisso outro dia: na Suécia, na França, há um denominador comum, uma unidade que mais ou menos agrupa, mesmo quando há diversidade. Tanto que não sabemos se é melhor é sermos primitivos, índios, civilizados, selvagens, ou outra coisa. Eu também não sei.

FILMES DIRIGIDOS POR WALTER HUGO KHOURI

1952- O gigante de pedra, 35 mm, longa-metragem.
1958- Estranho encontro, 35 mm, longa-metragem.
1959- Fronteiras do inferno, 35 mm, longa-metragem.
1960- Na garganta do diabo, 35 mm, longa-metragem.
1962- A ilha, 35 mm, longa-metragem.
1964- Noite vazia, 35 mm, longa-metragem.
1966- Corpo ardente, 35 mm, longa-metragem.
1967- As cariocas (2º episódio), 35 mm, longa-metragem.
1967- As amorosas, 35 mm, longa-metragem.
1970- O palácio dos anjos, 35 mm, longa-metragem.
1972- As deusas, 35 mm, longa-metragem.
1974- O anjo da noite, 35 mm, longa-metragem.
1975- O desejo, 35 mm, longa-metragem.
1977- Paixão e sombras, 35 mm, longa-metragem.
1978- As filhas do fogo, 35 mm, longa-metragem.
1979- O prisioneiro, 35 mm, longa-metragem.
1980- O convite ao prazer, 35 mm, longa-metragem.
1981- Eros, o deus do amor, 35 mm, longa-metragem.
1982- Amor, estranho amor, 35 mm, longa-metragem.
1984- Amor voraz, 35 mm, longa-metragem.
1987- Eu, 35 mm, longa-metragem.
1991- Forever, 35 mm, longa-metragem.
1998- Paixão perdida, 35 mm, longa-metragem.
1994/2000- As feras, 35 mm, longa-metragem.


Publicado originalmente em NAGIB, Lúcia. O cinema da retomada: depoimentos de 90 cineastas dos anos 90. Lúcia Nagib; prefácio de Ismail Xavier- São Paulo: editora 34, 2002.

Um rolê para o outro cinema

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Prêmio reúne veteranos da Boca paulistana



Tarde de dezembro. O público chega devagar ao espaço Matilha Cultural no centro de São Paulo. Lá teria início um evento que reuniu cineastas, atores, técnicos, pesquisadores e anônimos que de alguma maneira gostam da antiga Boca paulista. Tratava-se da primeira exibição pública do longa-metragem Rua do Triumpho- o filme do veterano Mário Vaz Filho. Era também a segunda produção do Instituto Ozualdo Candeias, entidade que reúne remanescentes da Boca do Lixo paulista. “Fiquei 2015 todo montando e remontando esse filme. Deu um trabalho do cão”, reclama Marinho.
                
Já o produtor Diomédio Piskator é mais otimista. Presidente do Instituto, ele comemora que a primeira produção da entidade (Memórias da Boca)chega na quarta semana em cartaz no Cine Belas Artes. Piskator afirma que novos projetos devem estrear em breve. “Fazemos tudo de maneira independente. Nossa ideia principal é manter o pessoal ativo”. Misto de documentário e ficção, Rua do Triumphoé um trabalho que sofre com o orçamento controlado. Mesmo assim, existem boas ideias e momentos engraçados. Principalmente quando o foco do filme fica nos suvaquinistas. “Eram aquelas pessoas que carregavam o roteiro debaixo do braço, mas não concluíam nada. Os fazedores de filmes inacabados”, explica Mário Vaz Filho. Ele afirma que conheceu diversos suvaquinistas na rua do Triunfo. Muitos não chegaram a terminar nenhuma produção. “Agitavam, agitavam e acabavam não concluindo nada”, diz rindo.

Rua do Triumpho foi produzido sem nenhum recurso público tendo como protagonistas remanescentes da própria Boca como Clery Cunha, José Lopes (Índio), Zé da Ilha e Franco Lino. A aposta é que o filme chegue a ser exibido no próprio Belas Artes. “Eles possuem um espaço legal pra quem trabalha de maneira independente. Não temos por trás nenhum apoiador”, conta Diomédio.

Após a exibição do longa-metragem, aconteceu a segunda parte do evento. O Instituto Ozualdo Candeias organizou a entrega da primeira edição do prêmio Francisco Cavalcanti, destinado a personalidades do cinema paulista. O evento aconteceu no restaurante e pizzaria Estrela da Ipiranga, local próximo ao Matilha Cultural. Entre as personalidades que receberam a placa estão atrizes como Neide Ribeiro e Débora Muniz. O cineasta Alfredo Sternheim e o professor e montador Máximo Barro também foram homenageados.

 Mas a plateia ficou em êxtase quando o cineasta José Mojica Marins foi receber sua placa. O realizador conhecido pelo personagem Zé do Caixão teve duas paradas cardíacas nos últimos anos e ficou cinco meses internado na UTI do Incor (Instituto do Coração). Mesmo com todos esses problemas de saúde, Mojica recebeu a placa e fez um emocionante discurso. “Eu acho que todos que lutaram tem o seu devido valor. Não importa se estão mortos, se estão afastados. Onde quer que seja, basta que eles fizeram algo pelo cinema e eles precisam ser valorizados”. Aos 79 anos, Mojica prossegue trabalhando nos seus projetos pessoais. Ele inclusive foi tema da minissérie Zé do Caixão exibido no canal pago Space. A filha do diretor, Mariliz Marins, explica que está concluindo uma loja virtual para comercializar produtos referentes ao pai. “Os fãs vão poder comprar camisetas e outros adereços referentes ao mitológico personagem. Vamos inclusive vender uma cachaça Zé do Caixão”. 


Organizador da premiação, Diomédio Piskator afirma que 2016 será um ano importante para o Instituto Ozualdo Candeias. Novas produções devem entrar em cartaz e a segunda edição do prêmio Francisco Cavalcanti será realizada. “Estamos concluindo o São Paulo Zero 15. É um longa-metragem composto por quinze episódios de ficção tendo a cidade de São Paulo como protagonista. São quinze diretores de gerações diferentes num único filme”. Ele espera que o longa-metragem estreie para o grande público no segundo semestre de 2016. 

MEMÓRIAS DE UM CAFAJESTE

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Por Jece Valadão

Desde a tenra infância, brincando com as priminhas nos fundos dos quintais de Cachoeiro do Itapemirim, no Espírito Santo – de onde teve de fugir do pai de uma moça – Jece Valadão já trazia o germe do grande cafajeste. Neste texto de sua autoria, ele lembra as mulheres com quem transou, defende sua teoria antivirgindade e garante que, em certas circunstâncias, todo homem já foi, um dia, cafetão.
                            
As coisas difíceis me dão tesão. Gosto de tudo o que é difícil – como uma paciência que Napoleão Bonaparte jogava – porque as coisas difíceis satisfazem meu ego. E conquistar o que parece impossível. Em tudo na  vida. Se alguém está interessado em saber se foi assim que ganhei a primeira mulher da minha vida, é bom saber que eu não me lembro quem foi a primeira mulher da minha vida. Só posso dizer que foi assim que eu conquistei a Vera, uma mulher difícil, até hoje. Pelo fato de ela ser uma mulher muito bonita. Na razão direta, ela é muito desejada; e, na razão direta em que ela é desejada, mais me desperta a necessidade de mantê-la junto a mim, presa a mim, entendem?

Vamos fazer um flash-back até Cachoeiro do Itapemirim, uma cidade muito incrível, onde existe o Caçadores Carnavalescos Clube, lugar de elite, onde eu não podia entrar porque era menino pobre, filho de ferroviário. Mas eu tinha uma namorada que frequentava o clube. Era um namoro ás escondidas, porque a família dela não queria de jeito nenhum, porque eu já trazia em mim aquele germe do cafajeste. Um cafajeste meio inibido, morando no interior ainda, porém com o germe do grande cafajeste, que não é outra coisa senão uma desinibição diante da mulher, que eu sempre tive, e e que a maioria dos homens não tem. Não é bem audácia: é desinibição. E, por essa atitude de desinibição diante da mulher do interior, onde ela é resguardada, cercada de todo cuidado, eu representava um perigo para as moças.

Tem o seguinte: não existe mulher honesta, só existe mulher mal cantada. Sempre tive essa opinião: a de que mulher honesta é aquela que nunca foi cantada direito, nunca foi cantada no ângulo certo que ela exige. Desinibidamente. Porque, pelas próprias circunstâncias da sociedade, a mulher sempre foi tratada com um certo recato, em relação aos próprios irmãos, que são homens; em relação ao próprio pai. Hoje, é evidente, isso mudou muito, elas têm um tratamento quase de igualdade em relação aos homens. Mas não vão nunca se igualar porque é impossível mesmo, é um problema até biológico, mas a mulher agora tem acesso a coisas que, na minha época, não tinha, muito menos no interior. E eu era o único rapaz da cidade que, se tivesse desejo de beijar uma moça, beijava, estivesse o pai presente, o tio, o ex-namorado, qualquer coisa. Eu beijava, simplesmente, desde, é claro, que houvesse uma reciprocidade por parte dela. Isso causava escândalos na cidade. Então eu era proibido de me aproximar de qualquer tipo de moça mais chegada à classe A de Cachoeiro do Itapemirim. Por isso, tive de sair de lá. De família pobre, sem nenhuma tradição de nome, sem nenhum acesso aos mais poderosos, tive de me mudar para tentar ser alguém.

Na verdade, não tive de fugir da polícia, mas tive de fugir dos pais de uma moça de lá. Olha, desde que eu me entendo por gente, acho que a virgindade é um negócio tão arcaico, tão superado, que cheguei à conclusão de que, ao nascer uma criança, menina o médico deveria fazer, imediatamente uma pequena cirurgia, entende? Uma incisão para que o grande problema da virgindade deixasse de existir. As cuecas melhorariam, inclusive, porque a mulher cresceria com muito mais liberdade de ação, com muito menos preconceito. É uma membrana ridícula, que cria problemas incríveis, medievais mesmo. Essa minha teoria anticabaço, eu a tenho desde rapazola de 14 ou 15 anos do interior do Espírito Santo, já usando meu sexo. Porque comecei muito cedo. Me auto-usando, mais ou menos dos 13 aos 14 anos, depois comecei a usar mesmo. E só com as menininhas. Sempre tive alergia a homens. Continuo tendo, e espero morrer tendo.


Acontece que sempre há uma prima disponível para a gente brincar de médico. Não conheço nenhum homem que não tenha tido uma prima na vida dele, disposta a iniciação. Foi o que aconteceu comigo. Mas, atenção, que não foi da família da minha prima, ou seja, de minha própria família, que eu tive de fugir, senão não poderia voltar até hoje. E gosta de voltar lá de vez em quando, principalmente pelo fato de eu antes não poder entrar no clube e tal. Em compensação, tive a satisfação de voltar, uma vez, como homenageado principal, no aniversário da cidade que deu tanta gente importante, como Roberto Carlos, Danusa Leão, Darlene Glória, Carlos Imperial, Nélson Ned. Vou muito à minha cidade. E constatei que o pessoal continua criando mulheres bonitas. Aliás, eu sempre reparo em todas as mulheres bonitas, sou um esteta, sou de opinião que todas as mazelas devem ser extraídas da vida, ou pelo menos disfarçadas. Sou absolutamente favorável à beleza total. Eu e Joãozinho Trinta, que disse que intelectual é que gosta de pobreza. E eu concordo plenamente com ele. Porque intelectual é sadomasoquista, né?

Agora, é preciso esclarecer uma coisa: o nome cafetão – quem é que não foi, um dia, em certas circunstâncias? – tem um sentido assim tão pejorativo, mas que pode ser mudado para uma colaboração entre um homem e uma mulher. Ora, se eu estou com uma mulher e ela está melhor do que eu, nada mais justo do que a mulher me ajudar. E a recíproca é verdadeira, certo?

Sabem de uma coisa? No fundo, no fundo, eu devo ser um feminista. Porque sou tão machista...e os dois extremos sempre acabam sempre se encontrando, acabam se completando. Outra coisa: quanto mais liberada a mulher, mais chance tem o machista de sobreviver. Na verdade, acho que a mulher deve ter acesso a tudo, para que ela independa do homem, entende? Na razão direta da independência dela, o machismo pode ser muito mais cultuado. Olha, com esse negócio de eu ter saído de Cachoeiro meio desnorteado com aquela perseguição da tal família importante de lá, cheguei ao Rio ligeiramente apavorado, garotão ainda...E agora já posso voltar, numa boa, a moça já casou, tem filhos e tal, não há mais problemas, quer dizer, o mal foi sanado, entende? Apareceu um boboca, encheu ela de filhos, a família se sentiu recompensada e esqueceu a vingança jurada...

Mas, como eu ia dizendo, cheguei ao Rio meio tumultuado, evidentemente, mas me deu uma louca, eu jogava muito bem sinuca e ronda, aquele jogo de malandro, tanto que hoje tenho pavor de jogo, porque sou um jogador em potencial – se eu me deixar levar, viro jogador profissional, principalmente de cartas...Olhem, hoje não sou um marginal, não sei por que, condições para isso tive...naquele tempo me deu vontade de sair por aí, então fui tão São Paulo, olhava o jornal procurando emprego, arranjava uma pensão até me enturmar, de São Paulo fui pra Curitiba, de lá para Florianópolis, depois Porto Alegre, Uruguaiana, acabei atravessando a fronteira e fui parar na Argentina, em Paço de los Libres, menos de idade, só com uma carteira profissional sem qualquer emprego registrado, jogando minhas sinucas e minhas rondas, pulando por janelas para não pagar as contas, viajando de carona – enfim, eu era um hippie daquela época.

Em Paço de los Libres, lá estou eu tomando uma água, um refrigerante, sei lá, um troço qualquer, sai uma briga, chega a polícia e prende todo mundo, inclusive eu, que não tinha nada a ver com a história. Quando descobriram que eu era clandestino, menor de idade, sem profissão, sem lenço nem documento, me devolveram a Uruguaiana e me entregaram ao Juizado. Dai me perguntaram de onde eu era. Eu disse de onde. O juiz me mostrou o mapa do Brasil e perguntou: “O que é que você está fazendo aqui?”. Eu disse que já tinha vindo andando, e que tinha chegado lá. O papo começou a ficar agradável, eu falei da minha cidade, da minha família, do que tinha acontecido, de como eu tinha ido parar ali, o cara ficou tão impressionado com tudo que acabou me dando um dinheiro, uma verba especial lá do Juizado de Menores, para eu voltar para Cachoeiro.

Peguei o tal dinheiro, entrei num bar que tinha sinuca, perdi tudo. Uma semana depois, me virando de um jeito e de outro, fazendo biscate, o cacete, encontro com o juiz na rua. Ele me conheceu e perguntou o que é que eu estava fazendo ali. Disse que tinha ficado doente, mas que iria naquele mesmo dia de volta. Resultado, peguei um navio cargueiro, desses de pequeno porte, e vim até o Rio. Uma viagem que durou uns 12 ou 15 dias. Eu nunca tinha andado de navio na minha vida, e tinha uns 200 cruzeiros no bolso. No dia 7 de setembro a gente estava em alto-mar, teve de hastear bandeira, aquilo tudo, mas o que interessa é que, quando eu saltei em Niterói, estava com mais cinco mil cruzeiros no bolso, que tinha ganho dos marinheiros, na ronda.

Desci do navio e fui para a casa de uns tios meus que moravam em Padre Miguel, meio Bangu. Logo depois voltei para Cachoeiro. Ninguém exatamente como saí. Acabei locutor da rádio de lá, voltei para cá, trabalhei na Rádio Tupi, ao lado de Ari Barroso e uma porção de gente famosa, entrei para a televisão, teatro, encontrei a Dulce, casei com ela, etcetera...Mas o que interessa é que, nessa viagem, a minha base, geralmente, era a zona de cada cidade em que eu chegava, ou seja, eu tive um aprendizado de malandragem que agora é muito válido na minha vida.

Falando sério, sou três personagens ao mesmo tempo: o empresário bem-sucedido, quando estou atrás da mesa do meu escritório; o chefe de família, quando estou dentro de minha casa; e o grande cafajeste, quando estou em cena. São três homens em um só. E, já que vocês todos estão loucos para saber, em matéria de sexo sou uma pessoa absolutamente normal, da qual, até hoje, mulher alguma reclamou. O que me leva à certeza de que sou um anormal, porque, pelo que sei, elas reclamam muito dos outros homens.

Por exemplo: quando comecei na Rádio Tupi, ganhava tão pouco que dava exatamente para pagar a pensão da dona Matilde, na Rua da Alfândega, para a minha condução e para comprar uma roupinha ou outra. Então, eu não tinha a menor condição de sobreviver. Mas acontece que conheci uma mulher famosíssima na época, estrelíssima, rainha do Carnaval, rainha do Cinema e tudo, chamada Rosângela Maldonado. Foi uma mulher que me marcou muito. Ela me sustentou, durante muito tempo. Por quê? Porque ela tinha condições e eu não. Em síntese: eu já fui sustentado por mulher. Mas quem não foi? E é preciso ser muito honesto para confessor isso! Pra culturinha geral: eu ganhava 600 mil-réis por mês, pagava 450 de pensão, o que é que sobrava de resto? Então fui morar com quem me dava casa, comida, roupa lavada, um dinheirinho, em troca de companhia, amor, prazer, mesmo porque ela gostava de mim, e só por isso é que me dava tanta coisa, porque gostava de mim. E eu contando isso, hoje, ao contrário de denegri-la, enalteço-a. Eu só tenho boas recordações dessa moça, que foi uma ajuda na minha vida, no momento em que precisei. Não sei onde é que ela está, mas se soubesse que estava precisando de alguma coisa, eu a ajudaria, entende? Retribuiria essa ajuda, com o mesmo prazer e a mesma disposição. Foi uma alma boa que encontrei na minha vida, na hora em que mais precisei.

Isto é ser cafetão?

Se essa fase da vida da quase totalidade dos homens, principalmente da minha geração, é negada por muitos, eu tenho a maior honra em confessar. Acho digno, tanto da parte dela, de ter me ajudado, quanto da minha parte, de ter aceito. Agora, se esse fato é considerado como cafetinagem, então eu me confesso um cafetão. Mas para mim é apenas uma obrigação de agradecer a Deus ter encontrado uma determinada pessoa num certo momento que mais precisava. Importante: uma pessoa disposta a ajudar alguém – coisa, aliás, bem rara, cada vez mais. E para a qual eu estou disposto a retribuir todos os favores. Se é o que o que eu dei a ela, na época, já não tinha sido uma retribuição.



Uma coisa que também marcou muito na minha vida era um concurso que havia entre os garotos da minha idade: o de ejaculação a distância, através da masturbação. Era quase todo dia. Mas a primeira sensação de orgasmo que senti, em contato com mulher – que não foi a primeira mulher da minha vida, porque essa eu nem me lembro -, foi exatamente com uma prima, dentro de um armário escondidos. Meus pais tinham saído, foi uma experiência esquisitíssima, não deu nem para entender direito. Por ironia do destino, ela se apaixonara por mim, tinha dado um problema enorme dentro de casa, eu com uns 13 anos de idade...Agora, o último orgasmo, deixa eu contar, foi há meia hora!

Realmente, mulher dá muito trabalho.  Se vocês pararem para pensar, o ato sexual, em si, dá uma tremenda mão-de-obra, para dois segundos de prazer. Mas esses segundos são tão importantes! Aí é que vem o problema da relatividade do tempo. O tempo, que não existe. Porque se vocês pararem para pensar, racionalizar, vão chegar à conclusão de que não compensa a mão-de-obra de um ato sexual: a gente tem de tomar banho, tirar a roupa toda, ás vezes está um calor tremendo, a gente transpira paca, há necessidade de um esforço enorme para agradar, porque é o tal negócio, o bom trepador tem de agradar primeiro a mulher, depois pensar nele. E ás vezes a gente pega mulheres tão difíceis, tão duras de serem agradadas, que a gente tem de se esforçar ao máximo, tem de fazer tanta coisa, tanta coisa, para no final ter alguns instantes de euforia. Se alguém parar para pensar, vai contar até 10, antes de começar.

Eu tive um tempo – antes de conhecer a Vera, é preciso que eu diga – em que estive numa fase de euforia total, querendo comer o mundo inteiro. Mas chegou um momento de estafa, tão grande, que cheguei a desejar a impotência, porque daí tirava esse problema da minha cabeça. Só para provar que eu era macho, eu queria comer o mundo inteiro. O que é uma besteira, porque é muito mais difícil conquistar a mesma mulher todos os dias do que conquistar uma mulher por dia. Se eu sair por aí, conquisto 10 mulheres a cada dia, e isso não leva a nada. É muito mais difícil conquistar a mesma mulher todos os dias. O que existe é a perfeição da conquista.

Quando eu fiz o Boca de Ouro, nos Estúdios Herbert Richers, na Tijuca, depois do filme estreado e tal, pinta lá uma mulher, ás seis da tarde mais ou menos, uma grã-fina aí, da mais alta sociedade daquela época, tremendo carrão, dizendo que queria falar comigo. Fui. Ela perguntou onde é que estava minha boca de ouro. Disse que estava em minha casa, que a boca de ouro era um belo trabalho de um protético, então ela me fez ir para casa, apanhar o tal trabalho protético, colocar na boca e tudo, para ter relações com ela. Ela queria comer o Boca de Ouro, não o Jece Valadão. E eu não podia ir pra minha casa, não podia ir pra casa dela, hotel ela nem pensava, naquele tempo ainda não tinha motel, sabem aonde é que a gente foi fazer amor? Lá em frente ao Itanhangá, em cima de um banco, no meio do mato, perto de uma cachoeira, onde hoje há um loteamento enorme, eu com a boca de ouro, a mulher olhando pros meus dentes, formiga me mordendo de todos os lados. Nós saímos de lá todos os dois empolados, empoladíssimos.

É mais ou menos o suficiente para todos nós chegarmos à conclusão de que o Nelson Rodrigues tem razão. Todas as razões.

Vocês se lembram quando faltava muita água no Rio? Pois eu conheci a mulher de um jornalista famoso aí, linda maravilhosa, com a qual aconteceu uma das coisas mais apocalípticas que já aconteceram na minha vida. Ela me conheceu e resolveu me comer. Eu, modestamente, consenti em ser comido por ela. Marcado o encontro, no apartamento de uma amiga, solteira, em Copacabana, ela chegou primeiro, eu fui depois. Quando cheguei, a música era ambiental, as luzes estavam apagadas, à tardinha, o ambiente altamente romântico. Uma garrafa de vinho foi aberta, tudo, até a gente ir para a cama. Foi uma loucura. De repente, senti uma quentura escorrendo pelas minhas pernas. Olha, era cocô puro! Eu fui ao banheiro, abri as torneiras, nada de água. A mulher lá na cama. Apelei para uma garrafa de álcool, vesti a roupa e me mandei, cheio de bronca, muita bronca. Nunca mais vi essa mulher. Aliás, espero não encontra-la nunca mais! E acredito que ela, também, nunca mais queira me encontrar.

Mas faço absoluta questão de exigir uma ressalva, pra fim de papo: que tudo isso aconteceu antes da Vera, minha mulher, entrar na minha vida. E antes de eu me transformar num executivo, de vez em quando ator, fazendo o papel de cafajeste-padrão.


Publicado originalmente na revista Ele Ela em julho de 1980 

VSP conta a história da Boca em março

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No mês de março, o VSP irá contar a história da Boca do Lixo em três partes. Todo sábado o leitor poderá acessar um capítulo da trajetória da Hollywood paulistana. O blog irá publicar o texto original do livro Cinema da Boca: dicionário de diretores de Alfredo Sternheim publicado pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo.

A história da Boca paulista parte I: introdução

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Por Alfredo Sternheim

Introdução

Tempo de glória

Em várias cidades do Brasil é possível encontrar uma região conhecida como Boca do Lixo. A origem da denominação, dizem, é policial. Atinge ruas onde, geralmente, predomina a prostituição barata. Não aquela de mulheres sofisticadas que trabalham com a luxúria dos outros em locais aparentemente refinados. Mas a de fêmeas desencantadas e pobres, prontas para um atendimento frio e rápido, sem o menor glamour, em míseros quartinhos de hotéis das redondezas.

Raramente esse universo de marginais atrai a atenção da mídia. Mesmo a dos noticiários policiais. Exceto o de São Paulo. Menos pelos protagonistas descritos e mais por uma outra razão, distante do crime e da prostituição. Isso acontece quanto à Boca do Lixo da capital paulista, por aquela região ter sido durante um bom tempo uma espécie de capital do cinema.

A afirmação, à primeira vista, pode soar exagerada, principalmente a nova geração que recebeu a respeito muitas observações equivocadas e, na maior parte, predatórias. Assim são porque inúmeros jornalistas especializados sempre insistiram em classificar o cinema feito na Boca do Lixo como um estilo. Qualquer realização de lá era identificada como pornochanchada, outro rótulo pejorativo (agora já perdeu a carga) para designar a comédia maliciosa ou de costumes, mas acabou sendo usado de forma indiscriminada. O clichê, carregado de preconceito, substituiu a análise séria e passou a ser aplicado indistintamente pelos críticos para apontar a produção saída da Boca, fosse de qualquer gênero. E com isso criou-se um lamentável estigma para boa parte dos nossos cineastas.

Na realidade, de uma maneira ou de outra, quase todos os filmes realizados em São Paulo, no século XX, entre meados dos anos 60 e final dos anos 80 passaram pela Boca do Lixo. Desde aqueles mais politizados até as comédias com sexo explicito. Produções como O Pagador de Promessas– a única do Brasil que ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes – saiu também daquela região, foi executada a partir de uma empresa sediada em um prédio da Rua do Triunfo.

Mesmo assim, e apesar desse exemplo gritante, os registros a respeito do Cinema da Boca, em sua maioria, insistem em expor essa fase de forma depreciativa, com sarcasmo. Volta e meia batem nessa tecla de vulgarização, de um cinema apenas voltado para o mercado consumidor. Essa preocupação existia, afinal os cineastas sobreviviam, em sua maioria, do próprio cinema. Esse lado comercial não invalida, porém, a sua importância para a própria existência da indústria cinematográfica brasileira em uma época nada fácil para o país e em especial para a sua criação artística.

Alguns até colocam o cinema da Boca como um gênero, uma tendência criativa, ao lado (ou em oposição) do Cinema Novo. Ora, o Cinema Novo procurava ter uma unidade ideológica: seus filmes se empenhavam em retratar de forma dramática (e, ás vezes, com total desprezo pelas normas da linguagem cinematográfica) a realidade brasileira, em especial a mais miserável e, quase sempre, aquela localizada no Nordeste. Daí o surgimento de filmes como Cinco Vezes Favela (que muitos consideram o carro-chefe do movimento), Vidas Secas e Deus e o Diabo na Terra do Sol.

Essa coerência temática não existia entre os realizadores da Boca, que sempre se manifestaram pelos mais diversos gêneros. Mas é forçoso reconhecer que o erotismo predominou, mais como razão ou pressão do exibidor do que livre escolha dos cineastas. Como observou o cineasta e professor Nuno César Abreu no livro O Olhar Pornô, “a Boca do Lixo sempre teve sua produção apoiada em capitais privados, vivendo a tensão do investimento (bárbaro e nosso) e de suas relações com o mercado. Por isso, seus filmes, inseridos na faixa que se qualifica como ‘média’, constituíam-se de fato num real termômetro do interesse popular e do consequente retorno financeiro”.
O Cinema da Boca do Lixo não existe mais. Hoje só temos vestígios de um passado que pode, apesar de tudo, ser considerado esplêndido para a história da nossa Sétima Arte, pode oferecer lições. Por isso, é preciso fazer justiça, é preciso resgatar essa fase tão enérgica, seus diretores, sem nenhum viés predatório, com total respeito em vez da ironia frequente.

Geografia e Origem

As ruas do Triunfo, Vitória, dos Gusmões, das Andradas são as principais da chamada Boca do Lixo, no bairro da Luz, bem perto do centro de São Paulo. Durante muito tempo abrigou residências da classe média, hotéis e pensões familiares. Mas por volta de 1950 o meretrício, que ficava confinado quase que legalmente em duas ruas do bairro do Bom Retiro, um pouco mais adiante, do outro lado da estrada de ferro, se viu expulso de lá por decreto do então governador Lucas Nogueira Garcez. Na ilegalidade total, sem a proteção dos bordéis do Bom Retiro, as prostitutas se concentravam justamente nessas e em outras ruas da Luz. E, com elas, logo vieram outros marginais. As moças, além de atender à clientela local, podiam investir nos homens que estavam em trânsito por São Paulo, geralmente a trabalho, e se hospedavam naquela região. Eles faziam isso porque duas das três estradas de ferro que passam pela cidade, a Paulista e a Sorocabana (hoje pertencentes ao Governo do Estado), tinham nas imediações as suas estações de trens: a Luz e a Júlio Prestes. Mais tarde, ali perto, na Praça Júlio Prestes, foi construída, rente à Av. Duque de Caxias, a estação rodoviária que atendia todos os ônibus intermunicipais e interestaduais.

Foi nessa proximidade com as estações ferroviárias e rodoviária que atraiu o cinema. Primeiro as distribuidoras de filmes, tanto a de produções estrangeiras como brasileiras. Economicamente, tal proximidade representava um ganho, mais agilidade. Isso porque bastava ter um indivíduo com um carrinho de mão para levar ou buscar uma cópia de filme (geralmente quatro ou cinco latas duplas) nos pontos de partidas e chegadas. Por isso, no final dos anos 50 e meados de 60, empresas como a Polifilmes (então a maior distribuidora de filmes em 16 mm), a Columbia, a Paramount, a Warner, a Art Filmes, a Fama Filmes, a Pel-Mex, a França Filmes do Brasil, a Paris Filmes e muitas outras já estavam instaladas na Boca. Mesmo companhias como a Fox, que não via com bons olhos ir para lá e que, por isso, ficou durante muitos anos na avenida São João, por volta de 1979 já ocupava um andar do prédio 134 da Rua do Triunfo.

Nem sempre foi fácil a convivência desses escritórios com as moças da chamada vida fácil, que de fácil não tem nada. Manuel Alonso, um veterano da área de distribuição e produção, lembra que nos anos 50, quando atuava na França Filmes do Brasil, foi obrigado a servir de pacificar em uma briga que surgiu entre as garotas e José Borba Vita, então diretor da Pel-Mex do Brasil, que faturava muito com os folhetins mexicanos protagonizados por Ninon Sevilha e Maria Antonieta Pons. O falecido Vita, que mais tarde seria diretor-geral do Laboratório Líder, se irritou com os gritos de algumas dessas moças na porta da distribuidora e decidiu jogar água nelas. A guerra começou, ele foi ameaçado de linchamento, não podia sair do prédio. “Tive de ponderar com ambas as partes e a paz de fez”, disse Alonso. “Na realidade, a convivência com as prostitutas foi serena”.

Alonso recorda também os dias tensos que passou quando vieram ordens de Paris para a França Filmes encerrar suas atividades e destruir todo seu material. “É o que o proprietário da Cofran, a empresa que nos fornecia os filmes franceses, estava envolvido com a guerra da Argélia, que lutava pela sua independência. E por isso a sua empresa foi considerada ilegal, assim como as suas exportações. Mas me deu uma pena ter de destruir cópias de filmes como Les Amants, Se Todos os Homens do Mundo, Acossado...Porém, ordens são ordens”. Só que, na última hora, Alonso salvou uma cópia de cada filme, guardou-as em lugar secreto e, depois, fez uma doação à Cinemateca Brasileira, sem se identificar.

Naturalmente, as mesmas razões estratégicas provocaram a presença das produtoras na Boca. “O cinema, ou melhor, a indústria cinematográfica veio se estabelecer aqui, na Rua do Triunfo, em função exclusiva das estações ferroviárias e da rodoviária. A grande proximidade entre os dois pontos facilitava o escoamento de toda a produção cinematográfica via transporte rodoviário, principalmente, e por trens, com rapidez e eficiência. Um filme nacional também podia, naquela época, estrear em cem cidades brasileiras ou mais, em funcionalidade dos meios de transportes”, lembra o diretor e produtor Aníbal Massaini Neto, filho do produtor e distribuidor Osvaldo Massaini.

A Cinedistri

Nos anos 50, o cinema brasileiro ainda tímido e já enfrentando problemas na exibição – era difícil competir sem reserva de mercado – de carona em seu próprio país, ainda engatinhava no terreno da distribuição específica. A empresa mais atuante era a UCB (União Cinematográfica Brasileira), criada no Rio de Janeiro em 1945 pela família Severiano Ribeiro, que havia décadas dominava (e ainda tem presença) a exibição cinematográfica do país. A empresa passou a distribuir as produções da Atlântida, também pertencente ao grupo Severiano Ribeiro.

Em 1949, surgiu em São Paulo (precisamente na Rua Dom José de Barros, no centro) a Cinedistri. Foi fundada por Oswaldo Massaini, um paulistano que tinha, então 30 anos de idade. Desde 1937 estava no meio, primeiro como funcionário da extinta Distribuidora de Filmes Brasileiros, depois da Columbia Pictures e da filial paulista da Cinédia, a distribuidora criada pelo produtor carioca Adhemar Gonzaga para lançar os filmes dessa empresa. Nessa área, ela encerrou suas atividades justamente em 1949.

Em 1956, a Cinedistri já instalada na Boca, em uma sala sobre o Bar Soberano, que se tornaria um importante ponto de encontro da classe cinematográfica. Estava perto da Campos Filmes, produtora de documentários. Nos primeiros anos, a empresa limitou-se a ser apenas distribuidora. Só depois de se associar ao filme carioca Rua sem Sol, em 1953, é que Massaini passou a atuar também como produtor. No início, tomidamente. Afinal, aquele melodrama com conotações sociais dirigido pelo crítico Alex Viany (que nunca escondeu suas ideias de esquerda) e que tinha como protagonista a cantora Dóris Monteiro, havia sido um fracasso de público.

Mas ele não desanimou e, de forma modesta, associou-se a boa parte das chamadas chanchadas feitas no Rio de Janeiro, em sua maioria por Watson Macedo, como Depois eu conto e Rio Fantasia. Em 1956, passou participar de filmes paulistas, como a comédia Uma Certa Lucrécia, dirigida por Fernando de Barros, com Dercy Gonçalves e Odete Lara. No ano seguinte, sua atividade de produtor intensificou-se em Absolutamente Certo, o primeiro longa-metragem de Anselmo Duarte.

Em 17 de agosto de 1959, a Cinedistri passou a ocupar um andar inteiro (o primeiro) do prédio 134 da Rua do Triunfo. Ao mesmo tempo em que se associava como produtor a realizações dos mais diversos gêneros, garantindo assim vitalidade para a distribuidora, Massaini não deixava de ser ambicioso e partia para trabalhos solos nessa área. Dessa maneira, ousou sair das fórmulas mais tradicionais que predominavam no comércio cinematográfico quando decidiu fazer O Pagador de Promessas, sob direção de Anselmo Duarte. A compensação não poderia ter sido melhor: a Palma de Ouro do Festival de Cannes em 1962. A consequência foi um êxito internacional sem precedentes e uma respeitabilidade que outros filmes não lhe tinham dado.

Naquela tarde de maio, a vitória na França foi festejada por muitos no escritório da Rua do Triunfo, sob a liderança de Antonio Martins, o segundo homem da empresa depois de Massaini, que estava em Cannes com Anselmo e alguns intérpretes. E o troféu permaneceu exposto na dependência da Cinedistri por duas décadas. É que naquela época a Palma de Ouro costumava ser entregue ao produtor e não ao diretor. Daí Massaini se achar no direito (que ninguém contestou) de coloca-la na sala de espera do seu gabinete, junto de outros prêmios. E assim ficou anos seguidos até que, por volta de 1980, Anselmo Duarte a solicitou emprestada, mas nunca mais a devolveu. O que gerou uma ruptura na longa amizade entre o produtor e o diretor.

Em 1972, Massaini teve nova oportunidade de mostrar a sua garra como produtor. Naquele ano acontecia o Sesquicentená

rio da Independência do País. Por causa disso, ele decidiu fazer Independência ou Morte.

Mas as filmagens começaram só em maio, muito em cima para que o lançamento ocorresse em 7 de setembro. Contrariando as previsões pessimistas, o descrédito geral, o filme dirigido por Carlos Coimbra estreou justamente naquela data. Um recorde, uma demonstração da capacidade técnico-artística da Boca.


Publicado originalmente em STERNHEIM, Alfredo. Cinema da Boca: dicionário de diretores. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo: Cultura – Fundação Padre Anchieta, 2005.

Feliz aniversário José Mojica Marins: 80 anos


A história da Boca paulista parte II: o auge

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Por Alfredo Sternheim

Os filhos dos grandes estúdios

Já na ocasião da Palma de Ouro, no começo dos anos 60, estimulada pela obrigatoriedade da exibição do filme nacional através da reserva de mercado, a Boca se tornava de forma gradativa o centro do cinema paulista. Até mesmo um point de encontro. Naquele tempo, diretores, técnicos e artistas se encontravam em pleno centro da cidade, no Bar Porta do Sol, na Rua 7 de Abril, em frente ao extinto Diários Associados. Naquele prédio funcionava também a sala de projeção do Museu de Arte Moderna, que exibia clássicos como Intolerânciaou A Carne o Diabo. Ou seja, naquela região que abrangia o Bar Tourist (com sua pizza brotinho, então uma raridade) conviviam os trabalhadores da indústria cinematográfica e figuras do movimento cultural, dos que enxergavam o cinema como arte. Inclusive os que formaram o Cineclube do Centro Dom Vital, entre os quais alguns futuros cineastas e críticos (Gustavo Dahl, Jean-Claude Bernardet, Carlos Motta, Alfredo Sternheim). Nesse sentido, era possível encontrar um eletricista tomando café ao lado de um intelectual como Paulo Emílio Salles Gomes e de um cineasta, como o inglês John Schlensinger, então pouco conhecido, que tinha vindo fazer palestras no Museu, sob o patrocínio da embaixada de seu país.

Mas não demorou muito e a classe cinematográfica passou a se concentrar no Bar Soberano, na Rua do Triunfo. Mas tarde, houve uma certa divisão amigável com o Bar do Ferreira, na outra calçada. Principalmente quanto o cafezinho da tarde.

Assim como os fornecedores de equipamento (o Honório, por exemplo, que até então estava na Rua Bento Freitas, também um point dos técnicos), as gráficas e os serviços necessários à distribuição e produção se instalavam na Boca. Ao mesmo tempo, surgiram também outros produtores, quase todos mais modestos que Massaini. É verdade que alguns almejavam voos mais altos. Caso da Paris Filmes, distribuidora criada por volta de 1957 e que, de certa maneira, ocupava o espaço que antes era da França Filmes. Ou seja, importava produções do cinema francês, títulos da Nouvelle Vague. A empresa tinha sócios como Sandi Adamiu (pai de Alexandre Adamiu, que depois liderou a empresa) e Alfred Cohen. Este, mais tarde, criou a Brasil Internacional, distribuidora exclusivamente dedicada à produção nacional e também co-produtora. Por volta de 1963, a Paris – que já estava na Rua Vitória, onde tinha uma boa sala de projeção em 35 mm – partiu para a co-produção com a Alemanha. Fez Convite ao Pecado e Mulher Satânica, sob direção de cineastas daquele país.

O fato é que lá o cinema nacional crescia por méritos próprios. E quase todos os que se lançavam à realização tinham os pés no chão, faziam filmes capazes de amortizar seus custos e ainda dar lucros apenas no mercado exibidor. Ainda não existia o vício do mecenato oficial que gerou tanto acomodamento criativo entre inúmeros cineastas do nosso país. Ainda não tinha surgido a Embrafilme.

A maioria daqueles que optaram por produzir chegaram precedidos de farta experiência nos grandes estúdios, como a Vera Cruz, a Maristela e a Multifilmes. Dessa empresa fundada em setembro de 1952 e com estúdios construídos em Mairiporã, na Grande São Paulo, veio seu produtor-geral, o italiano Mário Civelli, que já tinha passado pela Maristela. Ele foi o responsável pela concepção e execução dos filmes da Multifilmes, como Modelo 19 e Destino em Apuros, este mais ambicioso. Era a primeira realização em cores. Mas os fracassos foram sucessivos e em maio de 1954 a empresa formada por gente da indústria têxtil deixou de existir. Civelli, anos depois, abriu um escritório na Rua dos Gusmões, mas não se saiu bem, não logrou realizar a maioria dos seus planos.

Alfredo Palácios também veio dos grandes estúdios paulistas: a Maristela. Ele trabalhou na empresa criada pelo industrial Mário Audrá Júnior desde o início, em 1950 (um ano depois do surgimento da Vera Cruz). Nos estúdios erguidos no então distante bairro do Jaçanã, em São Paulo, Palácios não só cuidou da produção de vários filmes feitos na primeira fase (Simão, o Caolho, de Alberto Cavalcanti, por exemplo) como até escreveu diálogos adicionais para certas comédias (Suzana e o Presidente). Na segunda fase, quando a companhia, já no prejuízo, arrendava seus estúdios para outras produtoras, Palácios foi atuante na produção executiva de filmes como Mãos Sangrentas e Quem Matou Anabela, e ainda chegou a co-dirigir comédias como A Pensão da Dona Stela e Vou Te Contá.

Formado em direito, Palácios era dono de uma sólida cultura e tinha ideias avançadas para o cinema. Quando a Maristela acabou, por volta de 1958, ele prosseguiu de forma independente e dessa maneira permitiu uma inovação no nosso cinema: a série O Vigilante Rodoviário. Foram cerca de 37 episódios feitos para a TV Tupi, sob a direção de Ary Fernandes, que também havia trabalhado na Maristela, em especial na fase Kino Filmes (a produtora dos filmes de Alberto Cavalcanti) como assistente de produção.

AServicine

Mas a proposta não vingou e, em 1968, já na Boca do Lixo, associou-se a Antonio Polo Galante e criou a Servicine. Galante também tinha passado pela Maristela. Primeiro como faxineiro, depois como eletricista e auxiliar de câmera, na época um trabalho pesado. Uma de suas obrigações nessa área era carregar os chassis de 300 metros das pesadas câmeras Mitchell ou Newall, o que exigia delicados cuidados. Mas tarde, quando os estúdios já não existiam, ele trabalhou nessa função de várias realizações, como A Ilha, de Walter Hugo Khouri. Durante as filmagens em Bertioga, em 1962, Galante disse com todas as letras que ainda seria um produtor. A afirmação foi recebida com descrédito pelos que lá estavam. Mas o tempo lhe deu razão e até mesmo Khouri fez alguns filmes produzidos por Galante.

Com a associação de duas personalidades, à primeira vista antagônicas, de formações culturais diferentes, a Sétima Arte saiu ganhando. A Servicine começou em 1968 demonstrando já que queria ser diferente ao possibilitar a realização de Lance Maior, que Sylvio Back tinha filmado em Curitiba, com Reginaldo Faria e Regina Duarte, já famosos. Mas o resultado das bilheterias foi péssimo.

O êxito financeiro só veio no ano seguinte com O Cangaceiro Sanguinário, dirigido por Osvaldo de Oliveira, técnico transformado em diretor pela vontade de Galante. Este, segundo declarou no documentário O Galante rei da Boca, de Alessandro Gamo e Luís Rocha, disse ter inspirado em Galante e Sanguinário, o western americano de Delmer Daves. Uma irônica coincidência no título do bangue-bangue de Daves, porque Galante não chegava a ser sanguinário, claro, mas era extremamente rigoroso com os diretores quanto a prazos e custos.

Essa sociedade, que tinha o refinamento e conhecimento de Palácios e a intuição impressionante do sócio, deu certo e assim a Servicine, de fato, permitiu inovação e arejamento de ideias no cinema paulista. Por isso, escritores como o amazonense Márcio de Souza e o paulista Marcos Rey, por exemplo, eram frequentadores do escritório da empresa, um velho sobrado da Rua do Triunfo, 150.

Aliás, a participação de Rey no cinema nacional é digna de estudos mais profundos. O consagrado cronista e autor de livros como Ópera de Sabão e Memórias de Um Gigolôcolocou o seu talento em mais de 30 roteiros, quase todos encomendados por cineastas da Boca. Filmes como O Inseto do Amor, A Noite das Fêmeas, O Clube das Infiéis e muitos outros contaram com a sua participação. Só que, durante muitos anos, ele teve dificuldades em assumir essa fase. Temia as consequências do patrulhamento, conforme esclarece a sua biografia, Maldição e Glória, de Carlos Maranhão: “Não escondia, mas se não tocassem no assunto, ficava quieto. Nas entrevistas que dava, procurava passar por cima de suas incursões em tal atividade”. Apenas em 1997, dois anos antes de morrer, manifestou-se com orgulho a respeito em uma deliciosa crônica na revista Veja São Paulo. “Fui nada mais nada menos que o rei da pornochanchada. Este mesmo senhor, de cabelos brancos, que vos fala”, escreveu. “Quem quisesse encontrar-me no meio dos anos 70 bastaria passar pela Rua do Triunfo, ainda com ph em diversas placas, e facilmente me localizaria no Bar-Restaurante Soberano, tomando café em cálice. Eu e o Soberano éramos figuras referenciais no quarteirão”. Embora tivesse a necessidade de aceitar o maior número de roteiros para fazer, ele era extremamente generoso com cineastas que lhe pediam uma opinião, um conselho. Sou testemunha desse altruísmo, em duas ocasiões pude contar com o seu estímulo e saber.

Mas Marcos Rey não foi a única figura de peso intelectual que, mesmo tendo brilhado (e ainda brilhando) em outros campos, deu a sua colaboração ao cinema da Boca. Nessa lista pode-se incluir na área de roteiros e na direção os dramaturgos Lauro César Muniz e Dias Gomes, os críticos Rubens Ewald Filho e Inácio Araújo e os novelistas Antônio Calmon e Sílvio de Abreu. Araújo pegou gosto pela montagem quando foi fazer uma matéria para o Jornal da Tarde. Ele entrou em uma sala onde o consagrado editor Sílvio Renoldi (falecido em 2004) editava uma produção da Servicine. Aquela moviola parece ter exercido forte fascínio.

Jô Soares também andou pela Servicine, interessado que estava em protagonizar uma comédia na linha de Como Agarrar um Milionário, cujo roteiro havia sido co-escrito por Marcos Rey. Mas as negociações entre o conhecido apresentador, escritor e ator não avançaram e o filme acabou não sendo feito por lá.

Nessa empresa também, além de Sylvio Back e Osvaldo de Oliveira, diretores então iniciantes e com visões bem diversas (Guga, João Callegaro, Alfredo Sternheim, Líbero Miguel, entre outros) lograram fazer os seus primeiros longas-metragens. Mas havia algo em comum nessas realizações, uma norma que parecia ser imposta apenas por Galante, mas que tinha a total e silenciosa anuência de Palácios: o custo barato. Os filmes tinham que ser feitos em prazos curtos e com pouco negativo, que era o item mais caro de uma produção. Para se ter uma ideia, um dos filmes foi rodado com 18 latas grandes (300 m) de negativo, em apenas três semanas. A edição final precisava ter, no mínimo, 8 latas. Ou seja, na média, uma cena só podia ser repetida duas vezes e meia.

De certa maneira, a fórmula acabou não sendo exclusiva da Servicine. Nem de Galante e Palácios, que fecharam a empresa e partiram para trabalhos individuais a partir de 1976, poucos meses depois dos dois terem ido ao 4º Festival Internacional de Teerã, convidados do governo do Irã por serem responsáveis pela ambiciosa produção de Lucíola, drama de época adaptado do romance clássico de José de Alencar. Outros produtores, alguns até de forma mais exagerada, acabaram por adotar essa “receita econômica”.

Energia eclética

“Um grupo de aventureiros, verdadeiro Exército Brancaleone, se reuniu, [a sua maneira, em torno de um objetivo: pensar, produzir e fazer cinema. Um cinema pra ganhar dinheiro. Um cinema para atrair público. Um cinema para produzir bilheteria que permitisse produzir outro filme e manter essa indústria funcionando”. As poéticas observações do jornalista e crítico Edu Jancsz no site Fancine a respeito da Boca procedem. Lá se fazia um filme para, imediatamente, coloca-lo na tela e com esse dinheiro arrecadado já começar outro.

Mas, em meio da evidente intenção mercantilista, desde o início ficou claro que os realizadores que se instalavam na Boca, em sua maioria, buscavam certa independência criativa. Dessa maneira, e com a compreensão de muitos produtores – que raramente receberam da mídia a atenção que mereciam – foi possível o surgimento de diretores dos mais diversos estilos. Ao mesmo tempo em que um José Mojica Marins encontrava um clima favorável para o prosseguimento do seu peculiar cinema de terror, com Zé do Caixão como figura central, Ozualdo Candeias logrou fazer a sua curta e peculiar filmografia louvada até no exterior. Um culto e elegante Luiz Sérgio Person, que estudou cinema na Itália, não se acanhou em ir para a Boca.

Por outro lado surgiram jovens recém-saídos de diversas formações. Como Rogério Sganzerla e Antônio Lima, já falecidos. Alfredo Sternheim, João Callegaro e Carlos Reichenbach. Este recorda: “Foi em 1966. Eu cheguei à Boca junto com o Callegaro e outros estudantes da Escola Superior São Luiz para tentar conseguir algum estágio em alguma produção. Quando fui realizar meu primeiro curta-metragem, Essa Rua tão Augusta, produzido pelo Person (que era professor na São Luiz), ele nos levou (eu e a equipe do curta: entre outros, Enzo Barone, Sylvio Bastos e Hideo Nakayama) para a sua empresa produtora, que ficava numa sala cedida pelo Mário Civelli dentro de sua distribuidora, na Rua dos Gusmões. Lá ficamos conhecendo o Osvaldo Oliveira e o Glauco Mirko Laurelli, respectivamente, colaborador e sócio do Person”.

Foi em seguida à chegada de Reichenbach que surgiu na Boca um movimento, o Cinema Marginal. Era mais intelectual, tinha intenções de ir contra o convencional, a ditadura militar que então governava o País. Aconteceu entre 1967 e 71. “Os neófitos confundem os dois movimentos (Cinema Marginal e Cinema da Boca do Lixo) que, na verdade, foram dois momentos”, lembra Reichenbach. Ao seu ver, o término do Cinema Marginal deu-se com a proibição, pela Censura Federal, de Orgia ou O Homem que Deu Cria, do hoje escritor João Silvério Trevisan, e de República da Traição, de Carlos Alberto Ebert. Por sinal, ambos fizeram apenas esses filmes. Frisando que o movimento reunia jovens recém-saídos da Escola Superior de Cinema São Luiz (na tradicional escola da Avenida Paulista), do Foto-Cineclube Bandeirante (também São Paulo) e do Festival JB-Mesbla, no Rio de Janeiro, o cineasta diz que “o Cinema Marginal era uma resposta sessentaoitista (68) ao Cinema Novo, ao eleger o underground e o Cinema B americano, a Nouvelle Vague e cineastas formados pela vida como Candeias e Mojica Marins como modelos e ícones”. Na sua opinião, em certo momento o Cinema Marginal e o Cinema da Boca do Lixo se confundiram por volta de 1969. Daí, talvez, o enfoque equivocado de muitos.

Reichenbach lembra que foi a partir de uma entrevista à extinta revista Manchete, concedida por seu colega Antonio Lima, que surgiu a designação Cinema da Boca do Lixo. Nem todos gostaram. Mas ficou. “Acho que a denominação nunca foi depreciativa. Era estigmatizante, mas funcionava quase como uma grife”, opina agora João Callegaro, um dos diretores de As Libertinas, ao lado de Reichenbach e Lima.

Essa recepção aos “garotos” enturmados com Reichenbach é apenas uma das provas da natural e fraterna diversidade que reinava na Boca. Perguntado sobre aspectos daquela fase, o cineasta Sebastião de Souza lembra, “em primeiro lugar, a camaradagem, isto é, as pessoas se envolviam nas filmagens dos amigos de forma pontual, nas ideias, nos roteiros, nos empréstimos de materiais, nas pontas e figurações dos filmes. Desta forma, foi criada uma relação de amigos. Em segundo lugar, uma forma estética muito mais livre de fazer cinema por causa dos baixos custos, a criatividade era mais importante”.

Existia, de fato, um caráter democrático, como lembra Callegaro. “Se a sua ideia fosse minimamente comercial, você conseguia um apoio de produção. Os custos eram baixos e os produtores, picaretas e ingênuos. Se vislumbrassem uma pequena possibilidade de lucro investiam. Pouco, mas investiam. Mesmo que entrassem com equipe, equipamento ou custos de laboratório”.

Por isso foi que, de lá, surgiram filmes iconoclastas (A Mulher de Todos) como épicos políticos (A Guerra dos Pelados), melodramas politizados (Paixão na Praia), faroestes (Lista Negra para Black Metal), ambiciosas adaptações literárias (A Madona de Cedro, O Guarani), dramas existenciais (O Último Êxtase), aventuras de cangaço (Lampião, Rei do Cangaço), suspense (A Noite das Fêmeas, O Estripador de Mulheres), comédias sertanejas (Luar do Sertão, Mágoas de Caboclo), e principalmente comédias maliciosas (Lua de Mel & Amendoim, Os Garotos Virgens de Ipanema, A Virgem e o Machão)...Enfim, os mais diversos gêneros tinham vez graças também à energia e tino comercial de produtores que não ambicionavam dirigir. Caso dos já citados Alfredo Palácios, Antonio Galante, Alfred Cohen, Cyro Carpentieri Filho, Manuel Alonso, Mário Civelli e Oswaldo Massaini, e de Adone Fragano, Miguel Augusto Cervantes, Cassiano Esteves, Elias Cury Filho, J. D Ávila, Renato Grecchi, Rubens Regino e outros que se concentravam exclusivamente na produção e na mecânica de lançamento.

Nessa área, entravam os acordos com o exibidor. Ou seja, vendia-se uma parte do filme para um ou mais donos das três empresas proprietárias dos cinemas de São Paulo que tinham, trimestralmente, de cumprir a reserva do mercado. Nada melhor do que fazer com filmes que tinham as suas participações. No documentário Galante – O Rei da Boca, seu protagonista sintetiza bem essa mecânica: “Eu vendia os filmes praticamente só no título. Eu chegava neles e dizia: Vou fazer um filme chamado...Filhos e Amantes. È bonito? É. O exibidor dizia: O filme é meu. Era feito um contrato e eu saia com promissórias. Não era dinheiro, eles nunca tinham dinheiro. Eu pegava as promissórias, jogava no banco. Tinha crédito e pegava o dinheiro para fazer o filme”.

Mas havia também um cinema nacional em São Paulo correndo por fora da Boca. É verdade que alguns nas imediações. Caso do comediante e produtor Mazzaropi, que tinha escritório no Largo do Paissandu, e do ator, diretor e produtor David Cardoso, cuja empresa, a Dacar, ficava nos Campos Elíseos, a cerca de um quilômetro da Rua do Triunfo, onde ele ia buscar técnicos e artistas.

E havia a Vera Cruz, então arrendada aos irmãos Walter e William Khouri, que produziam filmes de Walter e de outros diretores, como Roberto Santos, Arnaldo Jabor e Durval Gomes Garcia. Um grupo no bairro da Vila Madalena começava também a dar seus primeiros passos.

A presença do erotismo

É verdade que, em sua maioria, esses cineastas se curvavam ao erotismo. Embora existisse o risco de um filme ser cortado ou proibido pela Censura Federal que, sob a ditadura militar, não tinha normas e nem permitia defesas, o produtor insistia quase sempre em colocar um apelo erótico. Mas isso não era uma prerrogativa da Boca. O cinema feito no Rio também insistia na sexualidade. Basta ver a lista das realizações cariocas naqueles anos: Quando as Mulheres Paqueram, Como era Gostoso o Meu Francês, A Viúva Virgem, Com as Calças na Mão, Condenadas pelo Sexo...Títulos maliciosos dos mais inspirados.

Porém, é preciso constatar que o erotismo não era um defeito, uma imoralidade. Apenas uma fórmula para satisfazer o gosto popular. Afinal, o cinema nacional se auto-sustentava, o mecenato oficial era leve, pequeno. Nada mais natural do que ir ao encontro da preferência do público. Se o forte do cinema de Hollywood era as armas, as perseguições de carros, o nosso era a sexualidade, algo que já vinha desde a época do teatro de revista, nos anos 40, quando Virgínia Lane, Mara Rúbia e muitas outras preenchiam o imaginário dos homens brasileiros.

No nosso cinema, elas foram substituídas por outras deusas. A maior de todas continua sendo Vera Fischer. A Miss Brasil de 1969, que estreou nas telas em 1972 em Sinal Vermelho – As Fêmeas, de Fauzi Mansur, se sobrepôs aos preconceitos que a cercavam. Hoje, já tendo passado dos 50 anos de idade, é uma bela e respeitável atriz na TV e no teatro, mantendo seu carisma.

Outras belas e sensuais mulheres capazes de atrair o público (masculino) surgiram. Caso de Helena Ramos, que a partir do extraordinário sucesso de Mulher Objeto, transformou-se em uma das estrelas mais caras do nosso cinema. Desnudando-se para as câmeras atuaram também Adele Fátima, Aldine Müller, Angelina Muniz, Claudete Joubert, Marlene França, Matilde Mastrangi, Meire Vieira, Monique Lafond, Nadir Fernandes, Neide Ribeiro, Nicole Puzzi, Rossana Ghessa, Sandra Graffi, Vanessa, Zilda Mayo...


Publicado originalmente em STERNHEIM, Alfredo. Cinema da Boca: dicionário de diretores. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo: Cultura – Fundação Padre Anchieta, 2005.

Um documentário para um cineasta popular

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Com previsão para o primeiro semestre deste ano, o documentário de longa-metragem Meu pai a 24 quadros resgata a trajetória pessoal e profissional do ator e cineasta Francisco Cavalcanti (1944-2014). Seus filmes, cujos roteiros pareciam tirados de jornais populares dada a mistura de sexo, vingança e violência, não eram elogiados pela crítica e nem tinham espaço nos festivais, mas fizeram sucesso entre o público mais humilde nos anos 1970 e 1980.

Conhecido por ser um realizador que dedicou sua carreira ao gênero policial, Chico iniciou sua carreira artística como radialista e radioator. Também passou pelo circo e ganhou fama ao estrelar seus próprios filmes na Boca do Lixo paulistana. "Ele sempre foi rotulado como um popular por sempre trabalhar com orçamentos controlados e sem apoio governamental", analisa o cineasta Fabrício Cavalcanti, filho de Chico e diretor do documentário. Fabrício conversou com a VICE sobre seu filme e a obra de seu pai.


VICE: Como surgiu a ideia do documentário? 
Fabrício Cavalcanti: Muita gente conhece os filmes do Chico. Mas não é todo mundo que conhece toda a carreira artística dele. A ideia é contar a vida desse realizador que é rotulado como popular. Eu ia fazer uma edição final de dez minutos, ia dar num curta-metragem. Mas eu achei que esse tempo era insuficiente pra conseguir contar toda a carreira dele. Aí resolvi fazer um documentário de longa-metragem que deve chegar em 90 minutos no corte final.


Quais foram as principais dificuldades? 
Entrevistar pessoas que fizeram parte da história dele, sendo que muitos moram fora de São Paulo. O (ator) José Dumont começou na escolinha do Chico e concordou em dar depoimento. Mas ele mora no Rio e por isso dependemos de quando ele vier pra São Paulo. A dificuldade é que não temos financiamento governamental porque trabalhamos com orçamento reduzido. O (diretor de fotografia) Salvador do Amaral e a (atriz) Marli Machado deram depoimentos recentes. Então, nossa principal dificuldade foi falta de verba.


Como o filme aborda a relação dele com o cinema popular? 
O Chico era um idealista. Os filmes dele tinham que dar dinheiro pra conseguir fazer outro trabalho. Ele tinha esse ideal pra conseguir fazer novos trabalhos e sempre estar realizando novos projetos. O Chico foi um cineasta que não se beneficiou de nenhuma lei ou órgão governamental. Sempre teve orçamentos pequenos. Então, os filmes dele dependiam exclusivamente do retorno de bilheteria.


Ele fazia um cinema artesanal, né? 
Sim. Era um cinema artesanal, mas ele não era uma tão inexperiente assim na técnica. Ele manjava de fotografia e com o tempo ele ficou conhecendo todos os processos da produção do início ao fim de um longa-metragem. Mas nunca deixou fazer um cinema artesanal. O interessante é que os estudantes de comunicação das universidades normalmente sentem uma afinidade pela produção da rua do Triunfo. Isso porque eles têm que fazer cinema sem recursos. Mas o Chico teve filmes muito populares, praticamente todos tiveram retorno de bilheteria.


É possível comparar o cinema do seu pai com outros realizadores que trabalharam com gênero na Boca como Tony Vieira e Alex Prado? 
Talvez o Tony pelos dois abordarem o gênero policial. Eu acho os filmes do Chico mais bem acabados que os do Alex. O Tony começou antes do Chico, mas eles tinham origens artísticas diferentes. O Chico Cavalcanti teve influência do circo, da radionovela, do teatro.

O primeiro filme que ele tentou dirigir foi um bangue-bangue baseado numa peça teatral chamada Quando a violência dominou. Eu sei que esse filme seria rodado em preto-e-branco e protagonizado por três cantores: Sérgio Reis, George Freedman e Carlos Gonzaga. Eles chegaram a rodar algumas cenas, mas não a concluir as filmagens. Nessa época, ele ainda não tinha conhecimento de como se distribuía. Ainda era muito ingênuo para trabalhar numa indústria como o cinema.


Da filmografia do seu pai, quais filmes você considera os melhores? 
O Porão das Condenadas, O Filho da Prostituta, O Cafetão e o próprio Mulheres Violentadas com a Helena Ramos. Um filme que representa bem a passagem do tempo é o Amor Imortal. Esse trabalho foi realizado com recursos limitados e mostrou nesse trabalho que se adaptou ao digital
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Na época da Boca, o distribuidor interferia demais. O produto final muitas vezes acabava não sendo fiel a cabeça do diretor. Tinha que inserir cenas de sexo e colocar cenas apelativas pra ter mais público.


Você acredita que ainda existe muito preconceito contra o cinema da Boca? 
Preconceito existe contra o cinema brasileiro em geral. Se a pessoa tem preconceito contra a produção da Boca eu acho positivo. Porque pelo menos a pessoa sabe que isso existiu. Muita coisa daquela época está ingênua pros dias de hoje. Mas muitos que não gostavam até ficaram saudosistas e tem saudade daquele cinema artesanal. Era uma arte mais intuitiva, mais idealista.


O que você espera com o documentário? 
Espero estar sendo o mais justo possível com a obra do Chico. Porque ele era um empresário honesto: empregou muita gente com o cinema. Pretendo com esse documentário perpetuar a importância de um cineasta como o Chico. Mas o filme não se esgota na obra dele. O documentário levanta os bastidores da Boca, a amizade dele com outros profissionais da velha guarda como o Clery Cunha, Salvador do Amaral e com o próprio Mojica.


O que falta pro seu filme ficar pronto? 

Pretendo finalizar em abril. Minha dificuldade foi bancar a produção porque não tive nenhum parceiro, nenhum patrocinador. Estou batalhando pra conseguir um circuito de exibição e depois colocar na TV a cabo.

A história da Boca paulista parte III: o fim

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Por Alfredo Sternheim 


O começo do fim

Na década de 70, em alguns anos o Cinema da Boca respondeu por mais de 50% da produção brasileira. Uma demonstração cabal da força da iniciativa privada e que se fazia ouvir, tinha suas lideranças nas discussões oficiais sobre a condução do nosso cinema, a luta por melhores condições. É o que aconteceu, por exemplo, no 1º Congresso da Indústria Cinematográfica Brasileira, em outubro de 1972, no Rio de Janeiro. Na ocasião, foram discutidas amplas medidas para acirrar a evolução do nosso cinema. Produtores como Oswaldo Massaini e Alfredo Palácios levaram suas sugestões. O primeiro defendeu limites para a importação fácil e desenfreada das produções. O segundo, após apresentar um resumo das lutas realizadas até então pelo desenvolvimento do cinema nacional, enfatizou medidas para elevar a rentabilidade dos filmes em nosso mercado e algumas medidas favoráveis ao exibidor, como isenção de impostos para os cinemas que ocupassem espaços ociosos com aulas e divulgação de nossos filmes. “A técnica de recuperação do público, em todo o mundo, vem se fazendo com o abandono de salas de grande lotação e a multiplicação de salas menores”, disse na ocasião. Hoje, está provado que ele estava com a razão.

Porém, nem ele e nem outros cineastas, técnicos ou artistas da Boca que lá estavam vislumbraram algum perigo na Embrafilme, que já estava no terceiro ano de sua existência. Ela foi criada sem consultas prévias à classe cinematográfica em setembro de 1969, através de um surpreendente decreto da junta militar que presidia o Brasil em substituição ao General Costa e Silva, que havia sofrido um derrame. O objetivo inicial parecia ingênuo e nobre: estimular a exibição de nossos filmes no Exterior, comercialmente ou em certames e festivais. O resto – ou seja, a regulamentação de nosso mercado, os incentivos para a nossa indústria – continuaria sendo gerenciado pelo INC, o Instituto Nacional de Cinema.

Só que, em pouco tempo, a conduta da Embrafilme foi mudando. A empresa, com personalidade jurídica de direito privado, mas vinculada ao Ministério de Educação e Cultura (que na época tinha como titular o coronel Jarbas Passarinho), gradativamente adquiriu mais força, tornou-se uma concorrente da iniciativa privada. Ao mesmo tempo, o INC ia sendo esvaziado, perdia as suas atribuições. Na área da produção, o favor fiscal que permitia às distribuidoras e importadoras co-produzirem filmes brasileiros por suas escolhas foi objeto de alteração. A partir de uma lei, passou-se a exigir que os depósitos nesse sentido fossem realizados em nome da Embrafilme, que teria, daí em diante, autoridade para autorizar ou não a co-produção. Nesse clima, ficou patente, como registra a imprensa da época, que o cinema feito no Rio de Janeiro era bem mais favorecido que o de São Paulo. Surgiram até protestos oficiais como os do Sindicato da Indústria Cinematográfica de São Paulo, presidido então por Alfredo Palácios.

Quando a empresa passou a atuar como distribuidora, ela se diferenciou das demais, dando generosos avanços sobre a receita. Dessa maneira passou a atrair os produtores. Consequentemente, sem poder competir com esses fartos avanços, as distribuidoras independentes, que trabalhavam exclusivamente com filmes nacionais, foram sendo esvaziadas. “O poder da decisão, até então, estava em nossas mãos. Havia mais rapidez entre a concepção e o lançamento de um filme”, lembra o cineasta Fauzi Mansur, que se estabeleceu na Boca a partir de 1968. Nesse tempo todo ele logrou  construir sólida atividade não só de diretor, mas também de produtor e distribuidor. Nessa área, junto com mais dois sócios, criou a Alpha Filmes. “Mas a Embra não atrapalhou tanto, não. Isso porque nos foi possível fazer acordos com a empresa para muitos lançamentos”, acrescenta Fauzi. Já João Callegaro tem opinião oposta. “A Embrafilme atrapalhou todo o cinema nacional. Principalmente o de São Paulo. Corrupção passiva, clientelismo, panelinhas e até ideologias estapafúrdias condicionava a concessão dos financiamentos”.

O fato é que o cinema nacional da Boca tinha mais agilidade, não precisava depender do tráfico de influências e do mecenato oficial. No plano governamental, o maior apoio vinha apenas da reserva de mercado que era, de fato, cumprida. Apesar de colecionar muitos sucessos de bilheteria (alguns notáveis como Sinal Vermelho- As Fêmeas, Anjo Loiro, A Superfêmea, O Homem de Itu, A Noite das Taras, Excitação, Mulher Objeto), as adversidades se tornavam mais intensas.

O sexo explícito

Por volta de 1980 ninguém poderia imaginar que um famoso filme japonês seria o estopim para a mudança drástica que ocorreu com o cinema da Boca. O lançamento comercial, por força de um mandato judicial, de O Império dos Sentidos, colocou sexo explícito em nossas telas. É verdade que o filme de Nagisa Oshima vinha precedido de prêmios e elogios do exterior. Mas o público lotava os cinemas menos por interesse artístico e mais para apreciar as genitálias das personagens centrais em plena atividade, de acordo com a trama.

“O frágil equilíbrio foi rompido com a potente entrada em cena do pornô explícito estrangeiro”, observou Nuno César Abreu no livro O Olhar Pornô. De fato, não demorou muito para alguém da Boca pensar em seguir a fórmula, mesmo de maneira canhestra. Foi o que fez Rafaelle Rossi, em 1981, com Coisas Eróticas. Formado por três episódios, ele inseriu cenas de sexo explícito em um ou outro que haviam sido feitos com essa proposta. O resultado foi uma notável bilheteria: mais de quatro milhões de ingressos vendidos nos dois primeiros meses. E para a exibição desse e de outros filmes que viriam a seguir, surgiu a indústria do mandado de segurança. Ou seja, como o pornô era proibido no Brasil (daí a Censura não poder liberar nenhum filme), um único advogado impetrava mandado de segurança, nos moldes daquele que garantiu o lançamento de O Império dos Sentidos. Os orçamentos até previam verba para o casuísmo jurídico, típico em um país como o nosso, onde existem leis contraditórias. Claro que esse advogado, parente de um político de São Paulo, ganhou farto dinheiro fácil.

O curioso é que essa mudança começou a aparecer justamente quando o Brasil lançava cerca de 100 filmes por ano. E, desses, mais de 50 eram da Boca, que ainda resistiu bravamente a esse novo tipo de cinema. Basta examinar a lista dos títulos de 1981, no livro Dicionário de Filmes Brasileiros, de Antônio Leão da Silva Neto: somente uns dois ou três enveredaram por essa seara. Foi nesse ano também que surgiram propostas eróticas mais qualificadas como O Olho Mágico do Amor, Palácio de Vênus e Mulher Objeto, por exemplo.

Em 1982 e 1983, muitos cineastas daquela região assinaram realizações sem nenhuma cena explícita, porém fazendo média nos títulos e nas próprias tramas com os anseios eróticos do público. Nessa linha estão produções como Amor, Estranho Amor que tinha Vera Fischer e Xuxa à frente do elenco, Tensão e Desejo, A Fêmea da Praia... Mas, salvo raras exceções, a resposta das bilheterias era menos expressiva do que antes. O público, agora acostumado com os pornôs, talvez se sentisse frustrado enganado pela ausência de detalhes dos pênis e das vaginas em plena atividade. Naturalmente que os exibidores perceberam essas mudanças e, embora a reserva de mercado continuasse efetivamente a existir, eles deixaram claro que dariam preferência aos filmes com sexo explícito. Foi o que aconteceu.

No final de 1983 e começo de 1984, a transformação tornou-se evidente. Êxitos como Bacanal de Colegiais, A Menina e o Cavalo e Sexo em Festa serviram para provar ao comércio cinematográfico que o Brasil podia fazer frente à desenfreada importação de pornôs estrangeiros. E em relação ao público, existia a vantagem: a língua portuguesa. O palavreado chulo em meio das fartas transas tornavam nossos filmes mais atraentes. A indústria da Boca sentiu-se, aparentemente, mais segura, podia se manter e manter os empregos que gerava. Era o começo de um caminho sem volta.

Foram muitos os cineastas da Boca que encararam fazer filmes com sexo explícito, mas só alguns assumiram, não se esconderam atrás de pseudônimos. Várias dessas realizações têm histórias, ambições cênicas. Como o futurista Gozo Alucinante, por exemplo, realizado perlo falecido Jean Garrett, com requintada fotografia de Carlos Reichenbach e cenografia do premiado Campello Neto. Mas esses e outros méritos eram ignorados pela mídia, pela imprensa especializada que, quando muito, simplesmente tratava com desprezo qualquer proposta nessa linha.

Muitos diretores apaixonados pelo cinema e dotados de cultura aderiram a esse filão porque, além de estarem marginalizados pela política oficial da Embrafilme, que então privilegiava mais os cariocas, acreditavam que essa fase seria passageira. Eles esperavam um nobre retorno para o nosso cinema, capaz de possibilitar mais diversidade. Vã esperança.

O Fim da Boca

O Cinema da Boca do Lixo começou a dar seus últimos suspiros na década de 1980. Para muitos, o declínio começou com a entrada do filme pornográfico. “A desgraça da Boca do Lixo não veio por um meio moralista, mas pela forma injusta como surgiram os chamados mandados de segurança, um autêntico mercado paralelo que perverteu todo o jogo de distribuição e exibição de filmes”, disse Carlos Reichenbach. “Eu tenho certeza que por trás da invasão do cinema pornográfico no Brasil tem os dedos das majors americanas da distribuição e exibição. Estive em países muito mais adiantados que o Brasil, sob o crivo da liberdade de expressão, como a Holanda e a Dinamarca; em todos eles, os filmes pornográficos eram confinados a guetos”. Reforçando a sua opinião, ele lembra que, por força desses mandatos, “os filmes pornográficos estrangeiros (e nacionais) invadiram todas as salas mais frequentadas pelo público C e D, aquele que sempre foi fiel ao cinema brasileiro. Estragaram os cinemas mais populares definitivamente, afastaram o público que sempre gostou dos nossos filmes e deformaram os centros urbanos de São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Belo Horizonte com sua insânia mercantilista. Pior, ajudaram a criar uma fama péssima para o cinema brasileiro, sem revelar jamais que a contrapartida pornográfica nativa era de 15 para uma (quinze filmes pornográficos estrangeiros para um brasileiro)”.

Mas é preciso lembrar que o próprio pornô ‘mundial’, nos cinemas, agonizava ao mesmo tempo em que crescia no mercado de vídeo. De um modo geral, a frequência às salas de exibição havia caído, principalmente nas grandes cidades do Brasil, em decorrência não só das mudanças provocadas pelo advento das salas de pornô, mas principalmente com a expansão do vídeo, a queda do poder aquisitivo do cidadão e a insegurança que passou a predominar nas ruas.

Por isso é forçoso reconhecer que, na realidade, o próprio cinema brasileiro definhava, não apenas o da Boca. Uma inflação altíssima (cerca de 80% ao ano) e, principalmente, a gradual falta de cumprimento da reserva de mercado por parte dos exibidores sem nenhuma punição ao governo (então presidido por José Sarney) acirraram esse declínio. Naturalmente o cinema da Boca já andava prejudicado pela concorrência da Embrafilme na distribuição. As pequenas produtoras e distribuidoras abandonavam o cinema. Até mesmo uma empresa com a gloriosa trajetória da Cinedistri não resistiu: a empresa criada por Osvaldo Massaini (que morreu em 1994) encerrou oficialmente as suas atividades em 17 de julho de 1992, pouco mais de dois anos da posse do presidente Collor.

Este, em seu curto governo, tinha dado o golpe fatal. Além de fechar a Embrafilme, encerrou as atividades da Fundação Cinema Brasileiro (mais voltada ao curta-metragem) e do Concine (o tímido órgão que, desde 1976, substituía o INC). Aí, sim, o nosso cinema ficou anos sem nenhuma política legislativa, sem nenhum mercado.

Técnicos, diretores, produtores e artistas da Boca, em sua maioria, entraram em depressão viram-se forçados a atuar em outras profissões. Nessa luta pela sobrevivência, um cineasta passou a trabalhar como corretor de imóveis, outro chegou a vender fitas de vídeo para as locadoras. Um técnico tornou-se vendedor de móveis, outro que ganhou o Kikito de Ouro sustentou a família como gerente de um bar no interior. Isso sem mencionar os que ficaram doentes, somatizando a frustração.

Consta, sem comprovação, um caso de suicídio dissimulado como morte acidental para a família beneficiar-se do seguro de vida.

São poucos os sobreviventes do cinema da Boca. Existem alguns que estão tentando retornar ao cinema, mas apenas dois podem ser apontados com certeza, como aqueles que, de fato, se adaptaram aos novos tempos do chamado cinema da retomada, quando o realizador tem que saber também captar financiamentos através das leis fiscais: Carlos Reichenbach Filho e Aníbal Massaini Neto. Aníbal tem a sua empresa, Cinearte, sediada na Rua do Triunfo, no mesmo espaço ocupado pela Cinedistri, que seu pai criou. “O fato da Cinearte possui como sede própria todo o andar de um edifício a custos que podem ser considerados modestos justifica tudo, não é?”, respondeu Aníbal sobre a razão de permanecer na Boca.

O cineasta, que em 2004 concluiu e lançou Pelé Eterno, está consciente das alterações, mas otimista.

“Infelizmente o tempo passa, as coisas mudam e esperemos que num futuro próximo seja para melhor do que, talvez, tenha sido até agora. Entretanto, o cinema nacional está aí, a despeito de tantas resistências, evoluindo técnica e artisticamente já vistos. Qual Fênix”.

Lições de um passado esplêndido

O Cinema da Boca do Lixo pode ser considerado uma lenda do século XX. Um período de equívocos e vitórias que aglutinou inúmeros e perseverantes talentos, possibilitando uma intensa criatividade. Dessa fase, podem-se extrair muitas lições, úteis nesse momento em que se discutem novos rumos para o cinema nacional, em especial da política de investimentos. “O mínimo que se espera de um filme que usou recursos públicos é que ele obtenha condições de exibição”, declarou o cineasta Orlando Senna, secretário do Audiovisual do Ministério da Cultura em reportagem a revista Tela Viva, em novembro de 2004. Ele se referia ao debate sobre o ineditismo, a ausência de viabilidade comercial, de exibição para algumas produções feitas como benefícios fiscais, provocado por um auditoria feita pelo Tribunal de Contas da União na conduta da ANCINE – Agência Nacional de Cinema. A manifestação do TCU foi dura quando aponta também certo descontrole na captação e movimentação de recursos, em especial em realizações que nunca chegaram ao público.

Como se voltem os olhos para o Cinema da Boca, vai se constatar que o desperdício de dinheiro raramente ocorria. Claro, o sucesso é algo imponderável e era também naquela época. Mas não se pode menosprezar o diálogo com o público, principalmente quando predomina o uso de subsídios governamentais. E esse uso tem que ser debatido. Não é justo que em um país com tantas carências como o nosso, cineastas esbanjem o dinheiro vindo de renúncia fiscal, extraído daquilo que seria imposta a pagar, em filmes inacabados por pura incapacidade do realizador. Ou então, que façam dessa maneira filmes com orçamentos grandiosos totalmente incompatíveis com as respostas de nosso mercado. Não é certo ainda que muitos dos diretores gastem demais, por exemplo, no uso do negativo que sempre foi a parte mais cara de um orçamento. Um filme intimista, lançado em 2004, foi feito com 35 mil metros de negativo para ter, em sua edição final, 3.300 m de material editado. Uma média de dez takes por um. Isso apesar de ter ótimos atores e o sistema de vídeo acoplado, dois elementos que possibilitam evitar a repetição inútil. Na Boca só em filmes com ação ou muita gente em cena se gastavam, no máximo, 12 mil metros de negativo. Na média, eram 20 latas de 300 metros, ou seja, 6 mil metros para aproveitar 3 mil.

O Cinema da Boca, que se auto-sustentava sem patrocínios, era mais racional. O Cinema da Boca era feito de forma obstinada, com disciplina e paixão. Por isso, a sua gente, seus realizadores, merecem todo o respeito, todas as homenagens possíveis. Essa é apenas uma delas e que procura resgatar a obra dos diretores que lá estavam.


Publicado originalmente em STERNHEIM, Alfredo. Cinema da Boca: dicionário de diretores. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo: Cultura – Fundação Padre Anchieta, 2005.

Raffaele Rossi em abril no VSP

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Em abril, o VSP aborda a obra e a trajetória do cineasta ítalo-brasileiro Raffaele Rossi (1938-2007). Responsável pela direção de longas-metragens de diversos gêneros, ele ficou famoso por dirigir o clássico Coisas Eróticas (1983), primeiro filme nacional de sexo explícito. Rossi ganhou muito dinheiro com a produção deste trabalho que tornou-se um dos maiores êxitos de bilheteria da história do cinema brasileiro. Todo sábado um capítulo sobre o ítalo italiano que mudou a trajetória do cinema adulto brasileiro.

ROSSI, Raffaele – (Arsenio, Itália, 1938- Embu-Guaçu, 2007). Radicado em São Paulo desde 1954. Em 1963, vendia equipamentos cinematográficos. Começa a fazer documentários e, ligado ao cinema da Boca, atua como produtor-diretor, por vezes fotógrafo e montador de seus filmes. Produtor de A doutora é boa pacas (Tony Rabatoni e Pio Zamuner) e O império do sexo explícito (Marcelo Mota). Aprendeu a técnica na realização de seus filmes, atuando em vários gêneros: mistério, bangue-bangue (em que chegou a construir uma cidade), policiais e história caipira. Ingressa no erótico com o sucesso de Roberta, a moderna gueixa do sexo, seguido de Coisas Eróticas, o primeiro de sexo explícito brasileiro a surgir nas telas. (Depoimento ao autor).

1971- O homem lobo (Pinheiros Filmes); 1973- Pedro Canhoto, o vingador erótico; 1974- A gata devassa; Seduzida pelo demônio (Marte Filmes); 1975- Pura como um anjo...será virgem?; 1977- Roberta, a moderna gueixa do sexo; 1978- João de Barro (Panther´s); 1979- Uma cama para sete noivas, co-dir José Vedovato (Titanus Filmes); 1980- A casa de Irene; 1981- Boneca cobiçada; Coisas eróticas (Panther´s); 1982- De todas as maneiras (O prólogo); 1984- Coisas eróticas 2; 1987- Gemidos e Sussurros (E.C. Rossi).


Publicado originalmente em MIRANDA, Luiz Felipe. Dicionário de cineastas brasileiros. São Paulo: Art Editora, 1990.

Raffaele Rossi no O Estado de São Paulo

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O HOMEM LOBO- Nacional (São Paulo), 5 de outubro de 1971. Produção: Pinheiros Filmes Produtora e Distribuidora Cinematográfica. Distribuição: Marte Filmes. Direção, roteiro, argumento: Raffaele Rossi. Fotografia: Antonio Bonacin Thomé. Música: Gabriel Migliori. Montagem: Raffaele Rossi e Jovita Pereira Dias. Elenco: Raffaele Rossi, Cláudia Carina, Lino Braga, Lino Braga, Juliana Pitelini, Tony Cardi, Osmano Cardoso. De 7 a 9 de maio passado no Cine Osasco.

Produção bastante modesta ou semi-amadorística devida ao mesmo Raffaele Rossi de “Travessuras de Pedro Malazartes”. Ele próprio faz o papel-central o de um homem – adotado em criança por um casal que se transforma em lobisomem. O pai trata de ocultar o fato até o momento em que ele mesmo resolve sair em busca do monstro para liquida-lo. A fita obteve do INC de número 46 em 18 de maio de 1971. Em agosto do mesmo ano foi lançada num cinema de Capivari. E durante três dias – 7 a 9 de maio deste ano – apenas esteve em cartaz no Cine Osasco, em programa duplo.
Publicado originalmente em O Estado de São Paulo em 28 de julho de 1974


BONECA COBIÇADA- Nacional (São Paulo), 2 de fevereiro de 1981. Produção: Panther´s (?). Cine Som Ltda. Distribuição: Cinematográfica Rossi. Produtor, diretor: Raffaele Rossi. Fotografia: Salvador do Amaral. Montagem: Walmir Dias. Música: Augustinho Zaccaro. Em Eastmancolor. Elenco: Aldine Müller, Francisco di Franco, Renata Candu, Fausto Rocha, Felipe Levy, Marcelo Coutinho, Darli Pereira e Antonio Fonzar. Amanhã nos cines Ouro e Del Rey.
Nacional que andou tendo um bom tempo de problemas com a censura e foi agora liberado com o selo “Pornográfico”. Valorizado pela simpatia e espontaneidade de Aldine Müller, é, ao que suspeita um colega, uma espécie de refilmagem disfarçada do filme mexicano com Emilia Ghiu, “Pecadora”, o maior êxito paulistano de exibição na temporada de 1949.
Publicado originalmente em O Estado de São Paulo em 1 de fevereiro de 1981


Filmes na TV por Carlos Motta
23h
Canal 7- SEDUZIDAS PELO DEMÔNIO- Brasil, (SP), 1976. Direção: Raffaele Rossi. Com Roberto César, Cassiano Ricardo, Shirley Stech, José Mesquita, Ivete Bonfá, Lourênia Machado, Eleu Salvador. Drama, misturando erotismo e sobrenatural, devido ao mesmo diretor de “O Homem Lobo” e o recente “Boneca Cobiçada”, ambos ao nível do mau amadorismo. Jovem estudante de medicina vai ao julgamento pelo assassinato da mãe adotiva. Quando bebê, ele foi salvo por um médico e sua mulher de um sacrifício por uma seita de adoradores do diabo. Cor. Inédito.
Publicado originalmente em O Estado de São Paulo em 10 de abril de 1981


A CASA DE IRENE – Nacional (São Paulo), 20 agosto de 1981, 85 minutos. Em Eastmancolor. Elenco: Renata Candu, Marco Augusto, Cesar Ribeiro, Nelcy Martins, Silas Bueno, Renatinha, Carlos Bucka, Tony Tornado, Cleide Singer, Cavagnoli Neto, Palito. Lançado sábado, 29, nos Cines Ibirapuera 2 e Graúna e segunda-feira passada nos Cines Marrocos, Premier, Arcades e Central 1.
E continua a seara...A casa do título é um ambiente repousante onde executivos em stress graças às “mãos de ouro” das massagistas encontram o que procuram. Num ambiente por vezes de “alta sofisticação (?) e onde em certas ocasiões podem acontecer incidentes inesperados e situações engraçadas”. A fita, parece, durante algum tempo andou tendo problemas com a censura. No elenco, o provável desperdício de Carlos Bucka.
Publicado originalmente em O Estado de São Paulo em 6 de setembro de 1981.


COISAS ERÓTICAS- Nacional (São Paulo), 7 de julho de 1982, 90 (?) minutos. Produção e distribuição: Empresa Cinematográfica Rossi. Produtor: Raffaele Rossi. Fotografia, câmera: Salvador do Amaral. Montagem: Raffaele Rossi, Valmir Dias.
Produção do prolífico Raffaele Rossi em três episódios dos quais escritos e dirigidos por ele mesmo. E um marcando a estreia de um novo diretor: Laerte Calicchio. Ao que consta, trata-se de um “pornô” que chega a ir até cenas de sexo explícito, uma das golden mirages de todos os tipo-padrão de realizadores e exibidores que vicejam pelas imediações da Boca e do quadrilátero entre os cines Marabá, Marrocos, Art e Windsor. Só que a atriz Zaíra Bueno, a dos intrigantes olhos verde-violeta, agora mais “categorizada”, dela não participa. A fita andou tendo problemas de censura por cerca de sete meses e foi liberada por recente decisão do seu (já falecido?) Conselho Superior de Cinema.
Publicado originalmente no O Estado de São Paulo em 11 de julho de 1982


Filmes na TV por Carlos Motta
A GATA DEVASSA (23h20 na Record)
Brasil, (SP), 74, 1h27 (versão exibida nos cinemas). Direção: Raffaele Rossi. Com Sueli Fernandes, Perry Salles, Silvana Lopes, Husuaki Hemi, Cavagnole Neto, Afonso de Carvalho. Colorido.
Policial erótico do diretor do explícito Coisas Eróticas. Perry Salles (que esta altura provavelmente não quer que lembrem que trabalhou no filme) é um italiano, Ângelo, que vem ao Brasil para organizar grande roubo para quadrilha internacional liderada por uma mulher. Fuja.

Publicado originalmente no O Estado de São Paulo em 8 de maio de 1987
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